Saudações aos deuses!

Saudações aos deuses!
"É do ouro de Oxum que é feito o manto que me cobre"

POR UMA EDUCAÇÃO ANTI-RACISTA

HISTÓRIA E A CULTURA AFRO-BRASILEIRA:



A RESISTÊNCIA CONTINUA!



quinta-feira, 15 de abril de 2010

SINAL FECHADO


Os meninos da sinaleira se tornaram homens...
Do olhar da criança perdida, desamparada,
Surge o homem que já não tem sonhos na madrugada.
Com vendas nos olhos e siglas nos jornais,
O “guri” do Chico cresceu,
Sua infância não volta mais...

Os meninos da sinaleira se tornaram homens...
Indiferentes à escola ou família,
desprovidos de fraternidade...
Descansam e dormem “em paz”
No leito da marginalidade.

Nossos meninos de outrora se tornaram homens...
Mas não os vimos crescer!
Não ouvimos seu lamento,
nem percebemos seu choro.
Na rua transformada em lar,
sua face agressiva apavora...
Eis a resposta ao nosso silêncio
Eis o socorro que nos pedem agora.

(Aline Najara Gonçalves)

quarta-feira, 14 de abril de 2010

LEITURA E LITERATURA NO ENSINO DA HISTÓRIA: Uma relação possível



A ascensão da burguesia no século XVIII viabilizou a oportunidade de disseminação do saber através da leitura e da escola. Naquele momento a Literatura foi introduzida no ambiente escolar como um elemento a mais fundamental ao processo de formação do indivíduo que, conseqüentemente, passou a ser concebido como indivíduo-leitor, desde que houvesse preocupação e cuidado em não descaracterizar a Literatura a ponto de o aluno criar resistência e aversão ao ato de ler.
Neste sentido, o trabalho do educador é fundamental quando se trata da formação de leitores no espaço oficial – a escola –, visto que cabe ao educador apresentar, orientar e dinamizar a prática da leitura, oportunizando ao educando – leitor principiante – o desenvolvimento do hábito de ler como uma opção a mais de lazer e entretenimento.
Em Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire deixa claro que a docência é uma atividade que exige rigorosidade metódica, dedicação, respeito, criticidade, dentre outros saberes necessários à prática educativa. Por meio desta obra, Freire propõe uma “reflexão acerca da prática educativo-progressista em favor da autonomia do ser dos educandos” (FREIRE, 1996, p. 13). A busca por uma pedagogia que possibilite a formação de sujeitos autônomos e conscientes do seu papel social tem sido constante para muitos educadores, destacando aqui os professores de História, refletindo-se numa inquietação que os leva a questionar velhas práticas metodológicas do ensino da disciplina. Neste contexto, a fusão entre leitura, Literatura e o ensino da História é, antes de qualquer coisa, uma possibilidade de repensar a metodologia aplicada em sala-de-aula a caminho da valorização da leitura e da produção do conhecimento, a fim de romper definitivamente com o modelo tradicional de educação bancária, de mão única, que aliena o educando e o impede de desenvolver o seu potencial de criticidade.
Rafael Ruiz, em Novas formas de abordar o ensino da História (RUIZ, 2004, p. 75-91), apresenta três modelos possíveis a serem seguidos, no campo História, por professores e historiadores: o primeiro concebe a História como uma grande mestra que educa com exemplos; o segundo aponta a História como um processo contínuo e por fim, o terceiro modelo que prioriza o presente em detrimento dos acontecimentos passados. Embora estes três modelos dialoguem com o processo de renovação na historiografia — que já compreende que os fatos não falam por si — não conseguem mais dar conta da dinâmica da História em sala de aula.
O ensino da História tem passado por transformações que vão desde o modo como o aluno a encara enquanto disciplina ao método utilizado por profissionais da área de educação que, em alguns casos, buscando acompanhar as mudanças tecnológicas da contemporaneidade acabam negligenciando o processo de ensino e aprendizagem em prol da velocidade na transmissão de informações, num espetáculo recheado de técnicas e aparelhos de última geração e, por vezes, pouco conhecimento.
Jaime Pinsky e Carla Pinsky, em História na sala de aula, afirmam:
(...) Na sala de aula, o pensamento analítico é substituído por “achismos”, alunos trocam a investigação bibliográfica por informações superficiais dos sites “de pesquisa” pasteurizados, vídeos são usados para substituir (e não complementar) livros. (PINSK, 2004, p. 17-36)
Em artigo intitulado Por uma História prazerosa e conseqüente, estes autores destacam ainda o desinteresse pelo conteúdo, pela erudição e pela leitura, que foram afetados pelo simplismo tão presente no ambiente escolar e que tem demonstrado a necessidade de reelaborar metodologicamente o ensino da História, agregando ao conteúdo a responsabilidade social e o prazer em lecionar e aprender.
É notória a importância da História na formação social do indivíduo, bem como é importante compreender o potencial transformador do livro e, conseqüentemente, da leitura. Pierre Bourdieu, em diálogo com Roger Chartier convence o leitor de que “por meio de um livro se pode transformar a visão do mundo social e, através da visão de mundo, transformar também o próprio mundo social” (CHARTIER, 2001, p.243). Em outras palavras, a leitura permite a reelaboração de conceitos e posturas acerca da realidade em que se vive, dado o seu caráter plural, uma vez que a leitura de um único texto permite múltiplas interpretações decorrentes do grau de recepção leitor em relação ao livro e do poder sobre o poder que o livro exerce no leitor.
Neste sentido, o primeiro passo no caminho da introdução da leitura e da Literatura no universo do ensino da História é, à luz das idéias de Jonathan Culler em Leitores e Leituras, compreender e questionar o sentido de determinada obra e, a partir daí estabelecer uma relação entre ficção e História que permita encontrar na primeira um caminho para uma compreensão prazerosa da segunda.
História, Leitura e Literatura são áreas que dialogam e se complementam. O estudo da História permite o entendimento da dinâmica das transformações humanas; o conhecimento além dos fatos, do contexto no qual se inserem. Ao conceber a História como uma ciência que pretende estabelecer uma relação entre o passado e presente, é perceptível que o contexto dos acontecimentos deve ser potencializado em detrimento dos fatos e/ou sujeitos isolados. A fusão entre História, Leitura e Literatura permite a apropriação e até mesmo a recriação de emoções e experiências vividas. Desse modo, desde que seja encarada como uma representação da realidade que retrata, a Literatura torna-se uma fonte histórica de grande valor.
Estreitar a ligação entre História, leitura e Literatura como recurso pedagógico torna o ofício do educador mais prazeroso, visto que a Leitura permite ao educando trazer os textos para a sua realidade, inserindo elementos deste em suas experiências cotidianas e a Literatura, por sua vez, dada a sua preparação para o público, seduz e agrega mais que a explanação pura e simples de conceitos e fatos históricos.

Bibliografia:
BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto. 9 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.
BARRETO, Lima. Os Bruzundangas. 3ª edição. 9ª impressão. São Paulo: Ática, 2005.
______________. Um sonho do futuro: diários, cartas, entrevistas e confissões dispersas. Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 1993. (Série Revisões;5).
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas – O Imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
CARDOSO, Fernando Henrique (et al). O Brasil Republicano – Estrutura de poder e Economia (1889-1930). Vol. 1. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
CHARTIER, Roger & BOURDIEU, Pierre. A Leitura: uma prática cultural. Debate entre Pierre Bourdieu e Roger Chartier. In: CHARTIER, Roger (org.) Práticas de Leitura. Tradução de Cristiane Nascimento. 2 ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A “NOSSA” REPÚBLICA DOS BRUZUNDANGAS: Ficção e História na obra de Lima Barreto *


Lima Barreto foi um escritor comumente enquadrado no período pré-modernista devido ao caráter realista da sua escrita. Marcado pela presença constante da crítica e da ironia, Lima Barreto realiza, ao longo de várias das suas obras, uma denúncia ferrenha das mazelas da sociedade brasileira pós-republicana. Na verdade, a obra deste autor, é um reflexo da sua vida de provações e dificuldades, que se iniciam com a morte da mãe – ainda na infância – e se aprofundam com a demissão e loucura do pai, após a proclamação da República no Brasil.
Na visão de Nicolau Sevcenko, em Literatura como Missão, trata-se de um escritor mal compreendido e marginalizado tanto política como intelectualmente, apesar do êxito das suas obras; um intelectual consciente que entendia que algo deveria ser feito a serviço do povo brasileiro que vivia na miséria e na ignorância. É desse modo, um mestre da Literatura Militante.
Falar de Lima Barreto é traçar o perfil de um homem que lutou contra o preconceito racial e tentou – aos moldes da educação recebida do pai – tornar-se “doutor” para sentir-se aceito e reconhecido numa sociedade agraciada por títulos de riqueza e prestígio; é trazer a tona a voz do mulato do subúrbio que assistiu com entusiasmo a manifestação campal que seguiu à assinatura da Lei Áurea – que em sua mente infantil legitimaria a liberdade de todos – e com desgosto a proclamação de uma República pelos militares, principalmente em decorrência da superficialidade do 15 de Novembro e das transformações ocorridas na vida da família em decorrência das modificações na política vigente.
É este o sentimento que aparece na obra “Os Bruzundangas”. A estrutura da sociedade brasileira que se organizou no período pós-republicano se fundamentou, principalmente, nos arranjos e conchavos políticos entre grandes oligarquias, o que se convencionou denominar República dos Coronéis – título decorrente da criação da Guarda Nacional, ainda no Império. Uma ligação que levou Alfredo Bosi a afirmar que “nessa república que se desejava nova, quase tudo vinha como herança de cinqüenta anos de um Império bastante estável” (BOSI, 1997). Esta semelhança não se resumia à utilização de um título militar que denotava prestígio e poder, como também aos valores morais de uma sociedade que se pretendia original e democrática, mas se caracterizava como um regime de desequilíbrio de raça e classe. Por conta disse, Bosi exclama: “Ai dos desapadrinhados nesse imenso cabide de empregos que é a cidade do rio de janeiro de 1905!”. (BOSI, 1997)
A insatisfação pessoal de Lima Barreto se reflete em sua escrita. O foco é o espaço brasileiro carioca de fins do século XIX, aqui apresentado sob a bandeira de um país fictício e visitado pelo autor em uma das suas viagens: A República dos Estados Unidos da Bruzundanga. A República das Bruzundangas é um país tropical, governado por um Mandachuva. País este que foi colonizado pelos iberos e povoado por eles e por outros povos. Ao longo da sua história, foi colônia, império e tornou-se república a partir da ação de militares insatisfeitos e ex-senhores de escravos descontentes com a abolição. Bruzundanga é um substantivo feminino que pode significar “palavreado confuso, mistura de coisas imprestáveis, mixórdia, trapalhada, embrulhada” , o que deixa claro que, já na escolha do título o autor satiriza a sociedade que pretende denunciar ao longo da obra.
Concebendo a arte como uma força de libertação e ligação entre os homens, verifica-se nesta obra de Lima Barreto o anseio de revelar um retrato do presente por meio de uma visão crítica e combatente. Através de personagens que retratam o cotidiano, sua crítica se direciona, principalmente aos movimentos históricos, relações sociais e raciais (esta última de forma sutil quando se refere aos javaneses da Bruzundanga) e ideais políticos, econômicos e culturais da sociedade.
Partindo desse princípio, ataca o monopólio do poder político pelas oligarquias estaduais, especialmente a mineira e a paulista; a exploração do trabalhador rural; o processo de urbanização do Rio de Janeiro, então capital da República, a falta de compromisso político da literatura oficial, a valorização dos padrões estéticos e culturais europeus, o incentivo à imigração em detrimento da valorização do trabalhador local, o clientelismo político, a manipulação de votos, as fraudes eleitorais e o nepotismo, a economia monocultora e a política de valorização do café, a “construção” de heróis e os privilégios sociais àqueles considerados nobres.
Ao longo dos vinte e dois capítulos da obra e um complemento intitulado Outras Histórias dos Bruzundangas, Lima Barreto rompe com a literatura descomprometida. Segundo Lima, “quanto mais incompreensível é ela, mais admirado é o escritor que a escreve por todos que não lhe entenderam o escrito”. Criticando esta tendência, afirma: “A glória das letras só as tem quem a elas se dedica inteiramente; nelas, como no amor, só é amado quem se esquece de si inteiramente e se entrega com fé cega”. Seguindo este pressuposto, apropria-se da ironia e da caricatura para retratar uma realidade que, segundo ele, precisa ser exagerada para revelar os defeitos e as deformações que despertem desprezo geral. Desse modo, sua obra assume a feição de um romance histórico, na medida em que utilizando a literatura com enfoque jornalístico, como uma arma de combate sócio-político, o discurso de Lima Barreto se apropria da História e esta, se envolve em sua narrativa.

* Artigo produzido por Aline Najara da Silva Gonçalves. Professora de História e mestradna em Estudo de Linguagens (UNEB - Universidade do Estado da Bahia)


Referências Bibliográficas:
BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto. 9 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.
BARRETO, Lima. Os Bruzundangas. 3ª edição. 9ª impressão. São Paulo: Ática, 2005.
______________. Um sonho do futuro: diários, cartas, entrevistas e confissões dispersas. Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 1993. (Série Revisões;5).
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas – O Imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
CARDOSO, Fernando Henrique (et al). O Brasil Republicano – Estrutura de poder e Economia (1889-1930). Vol. 1. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
GOMES, Flávio. Negros e Política (1888-1937). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. (Descobrindo o Brasil)
PINHEIRO, Paulo Sérgio (et. al) O Brasil Republicano – Sociedade e Instituições (1889-1930). Vol.2. 5 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1997.
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão: Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira República. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

NA RODA DA LEITURA: A PRESENÇA DO LIVRO NA RODA DE CAPOEIRA*



“Eu nasci pra ser vencedor e é por isso que eu sou capoeira; sou Mangangá”. Escutei estes versos enquanto subia as escadas de acesso à academia. Ao final, no topo, deparei-me com a roda já formada, onde meninos e meninas de idades diversas jogavam capoeira num misto de dança e luta. Bailavam ao som do atabaque, pandeiro e berimbau, embalados por palmas e cantigas que expressam a síntese da capoeira: “Eu nasci pra ser vencedor e é por isso que eu sou capoeira; sou Mangangá” – repetiam em uníssono expressando sua resistência.
Terminada a roda, fui chamada pelo Contra-Mestre Gean a juntar-me ao grupo. Meu propósito era convidar aquele grupo a participar de uma outra roda; a conhecer outra forma de resistência. Convidei-os a participar de uma roda de leitura. Convite aceito.
Revistas em quadrinhos foram distribuídas às crianças, leitores iniciantes. Muitos deles freqüentam a escola, embora não dominem o universo da escrita e da leitura. O olhar curioso e atento à estorinha lida e às ilustrações traziam à minha memória palavras de Freire: “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Era com os olhos do mundo que observavam aquelas revistas; que degustavam do prazer de ler aquelas estorinhas permitindo que a leitura daquelas palavras iniciais os envolvesse. A eles, que embora não soubessem se descobriam leitores. Sentados, deitados, de cócoras, em voz alta ou silenciosamente, liam. E enquanto liam, sorrisos brotavam da face que ia expressando de múltiplas formas a descoberta daquele que era o mais novo brinquedo que possuíam. “Tia, Tia! Que livro vou ler?”, perguntou-me um garotinho de uns oito anos. Fez-se da leitura a diversão!
No extremo oposto da sala, sentei-me com os alunos maiores, a graduada Cláudia e o contra-mestre Gean. Após uma conversa descontraída sobre livros e leituras, o grupo foi convidado a um desafio: cuidar de um livro durante alguns dias, conviver com ele e conhecê-lo e, após o período estipulado, nos encontraríamos para discutir a experiência. Mais um convite aceito.
Neste novo grupo formado, algumas pessoas chamaram minha atenção. Vejamos: Cláudia é graduada na capoeira, tem 27 anos e dá aulas com o marido, o contra-mestre Gean. Os dois têm uma filha de nove anos, Vitória, que é aluna na academia. Esta jovem professora tem um olhar atento e desconfiado. É cauletosa em suas palavras, porém decidida. Tem realizado oficinas de produção de texto com os garotos e se mostra uma educadora formada pela vida. “Tenho dedicação e vontade, mas faltam-me os livros”, disse-me ao longo da nossa conversa. Cláudia demonstra seu gosto pela leitura e fala sobre a relação que mantém com o livro que está lendo atualmente, Racismos Contemporâneos, organizado pela Ashoka Empreendedores Sociais e Takano Cidadania – presente do Mestre Tonho Matéria – livro este que guarda sempre “sobre um banquinho ao lado da cama” e, segundo ela, tem ajudado a entender a sua própria realidade. O interesse de Cláudia pela leitura é revelador, assim como o desejo que tem de conhecer e compartilhar. Após a realização da atividade proposta, escreveu-me uma carta na qual dizia: “Não posso voltar mais no tempo, mas não vou desistir apesar de todas as situações adversas e vou recomeçar pelo simples hábito de ler”. Ela e o livro neste momento se complementam.
Geisa é aluna da academia, tem 19 anos. Durante o bate-papo realizado deu para perceber que é uma garota muito vaidosa e romântica, mas tem um olhar que parece triste às vezes. Afirma gostar de ler e o último livro lido foi O Guarani, de José de Alencar. Dos livros oferecidos para atividade, escolheu Crescer é perigoso, de Márcia Kupstas. Após ler uma obra que trata de conflitos vividos por um adolescente sansei, Geisa escreveu em uma carta a mim direcionada: “Eu gostaria de ser uma criança que gosta de inventar e descobrir. Não importa onde parou ou em que momento da vida você cansou, o que importa é que sempre é possível recomeçar”. Ao final, agradece: “Valeu a pena descobrir um caminho para ser feliz”.
Após a realização desta atividade que chamamos de Oficina de Leitura, voltei para casa com os versos de Casto Alves no pensamento:
“O livro caindo n'alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.”
Versos estes que me levam a repensar meu encontro com o livro e com a leitura. A importância ímpar do ato de ler na formação da minha própria identidade; o poder da ação do livro sobre mim, enquanto leitora e o poder da recepção da leitura, o significado que imponho ao que leio. Estes versos de Castro Alves, ao penetrar minha mente, me levam a repensar a significação desta descoberta para aqueles jovens; para aqueles adultos e crianças que se redescobriam pela via da leitura. Muitas leituras realizadas vêm à mente neste momento. Livros que li por prazer; livros que li por obrigação; livros que ganhei; que comprei; e muitos que ainda não conheci, mas certamente continuarão transformando a minha vida e tantas outras vidas.
Foi acreditando neste poder transformador da leitura que retornei à Associação de Capoeira Mangangá alguns dias após o fim das atividades. Cheguei com uma mochila nas costas e duas sacolas cheias de livros. Soube através do contra-mestre Gean, que a partir daquela semana, dedicariam as quartas-feiras à realização da oficina de leitura e produção de textos, o que me deixou muito satisfeita. Sentei-me à roda com o grupo inicial e apresentei os livros que tinha levado naquele dia para eles. Cláudia me perguntou curiosa:
— Quando vamos ter que devolver estes a você?
Respondi:
— Estes são seus. Agora já tem os livros.
Vi seus olhos sorrindo pra mim e o mesmo garotinho de outrora se sentou ao meu lado e perguntou:
— Tia, Tia! Que livro vou ler?
Neste momento mais uma vez Castro Alves se fez presente:

“Oh! Bendito o que semeia
Livros... Livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!”

Foi um momento muito feliz.

(* Esta atividade foi realizada em março de 2008. O texto foi publicado na segunda edição do Jornal Varal de Notícias, produzido por alunos do Mestrado em Estudos de Linguagem da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) em dezembro de 2008.)

domingo, 11 de abril de 2010

Conjunção Adversativa (Aline Najara Gonçalves)

Preta!
Beleza sem conjunção adversativa
Sem o “mas” que justifica a combinação.
Beleza negra
Pura e preta
Constante inspiração.

Preta!
Sem o “mas” que ridiculariza
O mesmo que estabelece o padrão
Que legitima a realeza do olho que é azul;
Que nega a riqueza da negra herança bantu
O “mas” que foge da história
Que desconhece a tradição.

O “mas” que não sabe o sentido do Axé;
Não entende a magia dos terreiros de candomblé...
E desconhece outra além da tua fé.
O “mas” que reprime, sufoca...
“Mas” da opressão
Conjunção que se confunde em sua incompreensão.

“Poréns”, “Mas”, “Entretantos”, “Contudos” que trazem incerteza à memória;
Palavras que negam em frases a minha; a sua trajetória...
Questionam a nossa afirmação.

Mulher,
Homem!
Negros em todos os traços
Negros na pele,
Na mente,
Presente em todo espaço
Sem a palavra que agride,
Sugere surpresa,
Inconstância,
Contradição...

Sem o “mas” que precede
À beleza,
À inteligência,
À religião.

Sem o maldito “mas”,
Sem a sutil negação.

Menina Preta (Aline Najara Gonçalves)

Mulher,
Negra.
Preta como a escuridão
E na noite da pele enegrecida
Arde o fogo que queima a alma
Com a certeza da imagem denegrida,
Escurecida...
Clara!

Mulher negra da luta
Labuta da vida diária.
Sem enxada,
Sem cabresto,
Sem senhor,
Sem senzala,
Sem freio.
Rompe o arreio...

Mulher-noite das letras
De idéias,
De ideais...
Pretume!
Clarão!
Preta noite...
Mulher preta...
uma doce escuridão

Menina...
Mulher...
Pele preta
Perigosa,
Armada:
Idéias na cabeça;
Livros à mão.

Nomes (Aline Najara Gonçalves)

Rei menino
Retirado do seu canto
Entoa agora um pranto
Com dor...
Louvando uma liberdade
que já não há

Guerreiro bantu,
Escravo, peça, mercadoria...
No mercado de Valongo,
Ou em tantas outras freguesias,
A mão preta trabalha
Para que a branca possa lucrar

E o rei não perde sua majestade
Preservando sua identidade
Com maestria
Resiste ao opressor
Aos orixás, nomes novos
Santidades no Brasil e na Bahia
Sagrado católico com o
colorido da africanidade
Ah! Senhor do Bonfim...
Salve meu pai Oxalá!

A liberdade, ainda que tardia
Dos pés do capoeira brotaria
Licutã, Calafate, Mahin, Dandará
O Luís – dizia-se “das Virgens”
João, “de Deus”, do povo
Das bocas que falam, gritam...
Não devem nem podem calar
Ahuna, Salin, Lucas Dantas
Entre dores, mazelas tantas
A ousadia: a liberdade resgatar

Malês, Balaios,
Inconfidentes conjurados
Marinheiros atracados
num porto ou além mar
Uma história calada,
Enganada e esquecida
Por um sistema que prefere ocultar
Nomes de homens,
Personagens de vida sofrida
Com sangue do Congo, Guiné, Angola,
E tantos reinos desse mar de gente
Que em lutas inglórias tornou-se semente
Da liberdade que grita no peito
Da força que conduz seu caminhar.