É possível afirmar que a trajetória da História como disciplina escolar, no Brasil, não foi tranqüila, tanto em relação à sua introdução na grade curricular da escola secundária quanto a elaboração de seus programas e currículos.
Como disciplina curricular surgiu no sistema público em 1837, quando começaram a circular pelo país os primeiros livros didáticos, demarcando a crença na força do livro escolar como peça importante na viabilização dos projetos educacionais. A obra didática era concebida como principal instrumento para divulgação do ideário educacional, dependendo dela, a formação do professor e do aluno. Ou seja, foi no âmbito da produção didática que se pode perceber a movimentação em torno da construção e difusão da história nacional empreendidas no Brasil a partir do século XIX.
É importante destacar que, naquele período, a História do Brasil era vista numa posição secundária em relação ao estudo da História Universal. A criação do IHGB, em 1843, propôs a construção de uma história nacional através da hierarquização de alguns fatos, que passaram a ser centros explicadores em torno dos quais todo um conjunto passava a ser referido.
No período Republicano, a expansão do sistema escolar e os avanços dos estudos no campo educacional produziram um efeito de incentivo aos professores para a produção de obras segundo suas experiências pedagógicas. Assim, as primeiras décadas do século XX já demarcam a existência de uma produção significativa de obras didáticas brasileiras. Muitas delas estavam voltadas à orientação dos professores para o ensino e não se destinavam efetivamente aos alunos. A preocupação com a história pátria e a sua veiculação didática tomam um novo fôlego. O regime precisa ser legitimado e o campo da história é um importante pilar para que isso aconteça.
Neste período, alguns dos pilares e características fundantes da história nacional já estão consolidados pelo IHGB, que funciona como aglutinador e grande referencia na produção da história nacional. A pátria e o sentimento de esforço, doação e colaboração se realizam pela defesa da família em momentos ameaçadores. Assim, a história do Brasil é construída sobre o signo do progresso e da realização e a construção da nação percorre um caminho em que todas as diferenças dão lugar a uma comunidade de valores, nascida de raças diferentes, mas imbuídas da mesma vontade. A necessidade de identificar o povo e Pátria vai aparecer em documentos oficiais até o fim da década de 1950.
Escrever livros didáticos no inicio do período republicano, com o objetivo de ajudar a difundir essas representações chegou a ser considerado uma missão patriótica. Neste momento, havia a preocupação com a construção de um “quadro” de heróis, embora o mesmo variasse de acordo com a região. Esta discussão em torno da construção de um passado podia ser percebida de forma mais sistemática dentro da produção didática. O debate acerca da construção da identidade nacional buscava uma abordagem da diversidade brasileira no currículo através da disseminação da democracia racial brasileira, que conforme dito antes, expunha a ausência de preconceitos raciais e étnicos.
No início dos anos 1940, o Ministério da educação e Saúde Pública estabeleceu o ensino de História como disciplina autônoma e a grade curricular das disciplinas do campo das ciências humanas foi ampliada. O ensino era caracterizado pelo controle do Estado sobre a prática pedagógica e, conseqüentemente, o discurso histórico era estático, caracterizado por um conhecimento factual e homogêneo. Neste contexto, negros e índios apareciam em livros didáticos de foram estereotipada. O negro que representado nos livros de Historia era ainda retratado como mercadoria produtora de outras mercadorias e o índio reforçava a imagem do bom selvagem de Rousseau, mitificado por José de Alencar e Gonçalves Dias. O objetivo deste modelo do ensino de História era a formação do cidadão ideal e a neutralização do poder das oligarquias regionais.
Em 1961, a instituição das Diretrizes e Bases da Educação Brasileira 4.024/61 resultou na diminuição da carga horária de História em prol da incorporação de disciplinas “mais úteis”. O ensino de História e Geografia é substituído pela disciplina Estudos Sociais, perdendo assim sua autonomia, recuperada apenas nos anos 1980. A Lei 5.692/71, durante o governo militar, consolidou a substituição da História e Geografia pelos Estudos Sociais. Para atender a demanda dos profissionais, o Estado criou as Licenciaturas Curtas, que contribuiu para o avanço das universidades privadas, bem como para a desqualificação do profissional docente, que além de Estudos Sociais, ministrariam aulas de EMC e OSPB com conteúdos totalmente doutrinários. O objetivo desta iniciativa, além de esvaziar os conteúdos de História, era por em prática uma ideologia nacionalista.
A volta da História como disciplina autônoma e obrigatória na formação educacional aconteceu a partir de ações da ANPUH e da AGB na década de 1970. Os anos 70 marcaram, dessa forma, uma crise no ensino da História em função da virada historiográfica — movimento decorrente dos Annales.
Os anos 1980 afirmam o retorno da História ao currículo oficial com a proposta de trazer para o centro dos debates os sujeitos até então excluídos da história ensinada na escola fundamental. Com o fim dos governos militares, vê-se a expansão dos cursos de pós-graduação em História e a abordagem de novas problemáticas no campo da historiografia (história social, cultural e do cotidiano), valorizando as aproximações da História com outras disciplinas.
As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas por reformulações curriculares no Brasil, promovidas por estados e municípios, que não necessariamente surtiram efeito na modificação de práticas docentes. Estas reformulações têm relação direta com a transição da ditadura civil-militar para um período democrático em um mundo em processo de globalização.
Em meados da década de 1990, este movimento de reformulações curriculares. A Nova LDB (Lei 9.394/96) estabelecia que O ensino da História do Brasil deveria levar em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia. Em linhas gerais, a União tomou para si a responsabilidade de rever os currículos existentes, estabelecendo parâmetros básicos. As propostas então desenvolvidas sofreram inúmeras críticas, sendo algumas, a princípio, rejeitadas pelos docentes, como foi o caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o Ensino Médio.
Divulgados em 1999, os PCNs buscavam superar a lógica disciplinar presente nas escolas. Entre outras coisas, propunham reorganizar o Ensino Médio em três áreas: Linguagens, códigos e suas tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias e Ciências Humanas e suas tecnologias. Os PCNs de História priorizavam, dessa forma, a consolidação da formação da cidadania e a construção dos laços de identidade, além disso, tem como objetivo incentivar a criticidade no aluno, através da condução do processo de ensino a partir da sua leitura de mundo e do conhecimento local e regional.
Transpondo a questão do saber histórico para o saber pedagógico, vê-se, a partir do painel da didática da/na história, que é impossível pensar hoje a escola como mera instituição reprodutora de saber. A “história do ensino da história” deixa evidente que o ato educacional é fundamentalmente um ato político e a História, enquanto ciência e disciplina escolar é o centro de atuação dos sujeitos, saberes e práticas historiográficas.
Conforme mencionado antes, a História Cultural tornou viável o diálogo entre as ciências humanas e outras disciplinas e, com isso, trouxe a interdisciplinaridade para o centro do debate acerca da variedade das fontes e, mais que isso, sobre o que é ou não considerado uma fonte histórica. Ao contrário do que possa parecer, esta não é uma reflexão que se fundamenta apenas no trabalho do historiador/pesquisador, mas também na atuação do historiador que leciona. Se, conforme afirmou Paulo Knauss, todo processo de construção do conhecimento requer pesquisa, é impossível pensar ensino e pesquisa como atividades indissociáveis.
A Lei 10639/03 foi promulgada em 09 de janeiro e altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". Em 2008 este texto foi alterado pela inclusão da temática indígena, o que resultou na Lei 11645, segundo a qual, deve-se incluir no currículo do ensino fundamental e médio das instituições de ensino públicas e privadas, “o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.”
É importante deixar claro que toda Lei tem uma história e a promulgação da lei 10639 é fruto de uma luta dos movimentos sociais negros que se iniciou ainda no período pós-abolição. Além de a abolição da escravatura, em 1888, não ter significado a inclusão do negro na sociedade brasileira, contribuiu para o avanço da discriminação racial ao eliminar da sua proposta a inclusão sócio-econômica daquela parcela da população. Jogados à própria sorte, os negros perceberam que a resistência contra o escravismo foi só o primeiro passo na luta pela liberdade. O pós-abolição marcou uma nova forma de resistência: a luta contra a discriminação e a inserção social.
A valorização da educação formal foi uma das técnicas utilizadas pelos negros em busca da mobilidade vertical. A escola passou a ser vista como um veículo de ascensão social, conforme pesquisa realizada por Florestan Fernandes em 1951. É oportuno lembrar que em um determinado período da História do Brasil os negros escravizados eram proibidos do acesso à educação, conforme a Lei 01, de 04 de janeiro de 1837, que determinava, em seu artigo terceiro, a proibição de escravos e pretos africanos, ainda que fossem livres ou libertos, de freqüentar a escola. O processo educacional descrito por Florestan Fernandes, em sua essência, apresentava uma estrutura eurocêntrica e inferiorizava e desqualificava o continente africano e sua gente.
Ao perceberem a inferiorização dos negros, ou melhor, a produção e a reprodução da discriminação racial contra os negros e seus descendentes no sistema de ensino brasileiro, os movimentos sociais negros (bem como os intelectuais negros militantes) passaram a incluir em suas agendas de reivindicações junto ao Estado Brasileiro, no que tange à educação, o estudo da história do continente africano e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional brasileira. Parte desta reivindicação já constava na declaração final do I Congresso do Negro Brasileiro, que foi promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN), no Rio de Janeiro, entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950, portanto, há mais de meio século. Nesse congresso recomendou-se, dentre outros pontos, “o estímulo ao estudo das reminiscências africanas no país bem como dos meios de remoção das dificuldades dos brasileiros de cor e a formação de Institutos de Pesquisas, públicos e particulares, com esse objetivo. Naquele período, o negro que aparecia nos livros de Historia era ainda retratado como mercadoria produtora de outras mercadorias e o índio reforçava a imagem do bom selvagem de Rousseau, mitificado por José de Alencar e Gonçalves Dias. Diante disso, vê-se que era praticamente impossível que tais reivindicações fossem atendidas.
Em 1987, Carlos Hasenbalg publicou pontos da agenda de reivindicações das entidades negras e, dentre os assuntos citados, consta a reformulação dos currículos escolares visando à valorização do papel do negro na História do Brasil e a introdução de matérias como História da África e línguas africanas.
Reivindicações como esta marcaram a pauta das reuniões entre os movimentos negros e o Estado brasileiro em toda a década de 90 do século XX. De 1989 até 1996, várias leis municipais e estaduais propunham o estudo da “raça negra” e história africana nas escolas (Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre, Belém , Aracaju, São Paulo, Teresina e Brasília, por exemplo), todavia, as propostas não saíam do papel, configurando um tipo de “lei para afro-descendente ver”. Quando, em 2003, foi sancionada a Lei 10639, foi um passo a mais na caminhada pela consolidação de uma educação antirracista, todavia, um passo que reclama reformulações, uma vez que suscita alguns questionamentos: como implementar a proposta? A quem cabe a fiscalização? Quais as metas para a aplicação dessa Lei?
Estas respostas não são respondidas pela legislação federal. Vê-se uma proposta genérica e, mais que isso, vê-se que a responsabilidade pela aplicação desta Lei e, conseqüentemente, da Lei 11645/08, que a substitui, cabe somente ao educador, que decide pela sua aplicação ou não no espaço da sala de aula.
Em síntese, o que se percebe é que as ações de fiscalização e incentivo à implementação da lei 11645/08 parte muito mais de instituições não governamentais vinculadas aos movimentos afro-indígenas, que do poder público oficial. Entendemos que o racismo à brasileira manifesta-se muitas vezes de forma não declarada, sendo camuflado e negado. Esta Lei insere-se, então, numa perspectiva que visa a desconstrução dos preconceitos e discriminações raciais na educação, regulamentada pelas diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, que certamente podem subsidiar ações pedagógicas no sentido de libertar a sociedade dos paradigmas de silenciamento diante das posturas, atitudes e concepções preconceituosas e racistas. Dessa forma, a História do continente africano e as questões vivenciadas pelos povos negros, vistas com estranhamento e sob uma visão criada de dominação e desumanização em que a África é denominada como inferior, primitiva e subjugada, deixarão de ser assim compreendidas.
Sugestões de Leitura (Referências)
SILVA, Maria Aparecida da. Formação de Educadores/as para o Combate ao racismo: mais uma tarefa essencial. In: CAVALLEIRO, Eliane (org). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Summus, 2001.
SANTOS, Sales Augusto dos. A Lei no 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do Movimento Negro. In: Educação anti-racista : caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. 236 p. (Coleção Educação para todos)