São tantas histórias, são palavras tantas... E a História sendo tecida, Ora em linhas certas, Ora em linhas tontas...
Saudações aos deuses!
POR UMA EDUCAÇÃO ANTI-RACISTA
HISTÓRIA E A CULTURA AFRO-BRASILEIRA:
A RESISTÊNCIA CONTINUA!
A RESISTÊNCIA CONTINUA!
segunda-feira, 12 de abril de 2010
NA RODA DA LEITURA: A PRESENÇA DO LIVRO NA RODA DE CAPOEIRA*
“Eu nasci pra ser vencedor e é por isso que eu sou capoeira; sou Mangangá”. Escutei estes versos enquanto subia as escadas de acesso à academia. Ao final, no topo, deparei-me com a roda já formada, onde meninos e meninas de idades diversas jogavam capoeira num misto de dança e luta. Bailavam ao som do atabaque, pandeiro e berimbau, embalados por palmas e cantigas que expressam a síntese da capoeira: “Eu nasci pra ser vencedor e é por isso que eu sou capoeira; sou Mangangá” – repetiam em uníssono expressando sua resistência.
Terminada a roda, fui chamada pelo Contra-Mestre Gean a juntar-me ao grupo. Meu propósito era convidar aquele grupo a participar de uma outra roda; a conhecer outra forma de resistência. Convidei-os a participar de uma roda de leitura. Convite aceito.
Revistas em quadrinhos foram distribuídas às crianças, leitores iniciantes. Muitos deles freqüentam a escola, embora não dominem o universo da escrita e da leitura. O olhar curioso e atento à estorinha lida e às ilustrações traziam à minha memória palavras de Freire: “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Era com os olhos do mundo que observavam aquelas revistas; que degustavam do prazer de ler aquelas estorinhas permitindo que a leitura daquelas palavras iniciais os envolvesse. A eles, que embora não soubessem se descobriam leitores. Sentados, deitados, de cócoras, em voz alta ou silenciosamente, liam. E enquanto liam, sorrisos brotavam da face que ia expressando de múltiplas formas a descoberta daquele que era o mais novo brinquedo que possuíam. “Tia, Tia! Que livro vou ler?”, perguntou-me um garotinho de uns oito anos. Fez-se da leitura a diversão!
No extremo oposto da sala, sentei-me com os alunos maiores, a graduada Cláudia e o contra-mestre Gean. Após uma conversa descontraída sobre livros e leituras, o grupo foi convidado a um desafio: cuidar de um livro durante alguns dias, conviver com ele e conhecê-lo e, após o período estipulado, nos encontraríamos para discutir a experiência. Mais um convite aceito.
Neste novo grupo formado, algumas pessoas chamaram minha atenção. Vejamos: Cláudia é graduada na capoeira, tem 27 anos e dá aulas com o marido, o contra-mestre Gean. Os dois têm uma filha de nove anos, Vitória, que é aluna na academia. Esta jovem professora tem um olhar atento e desconfiado. É cauletosa em suas palavras, porém decidida. Tem realizado oficinas de produção de texto com os garotos e se mostra uma educadora formada pela vida. “Tenho dedicação e vontade, mas faltam-me os livros”, disse-me ao longo da nossa conversa. Cláudia demonstra seu gosto pela leitura e fala sobre a relação que mantém com o livro que está lendo atualmente, Racismos Contemporâneos, organizado pela Ashoka Empreendedores Sociais e Takano Cidadania – presente do Mestre Tonho Matéria – livro este que guarda sempre “sobre um banquinho ao lado da cama” e, segundo ela, tem ajudado a entender a sua própria realidade. O interesse de Cláudia pela leitura é revelador, assim como o desejo que tem de conhecer e compartilhar. Após a realização da atividade proposta, escreveu-me uma carta na qual dizia: “Não posso voltar mais no tempo, mas não vou desistir apesar de todas as situações adversas e vou recomeçar pelo simples hábito de ler”. Ela e o livro neste momento se complementam.
Geisa é aluna da academia, tem 19 anos. Durante o bate-papo realizado deu para perceber que é uma garota muito vaidosa e romântica, mas tem um olhar que parece triste às vezes. Afirma gostar de ler e o último livro lido foi O Guarani, de José de Alencar. Dos livros oferecidos para atividade, escolheu Crescer é perigoso, de Márcia Kupstas. Após ler uma obra que trata de conflitos vividos por um adolescente sansei, Geisa escreveu em uma carta a mim direcionada: “Eu gostaria de ser uma criança que gosta de inventar e descobrir. Não importa onde parou ou em que momento da vida você cansou, o que importa é que sempre é possível recomeçar”. Ao final, agradece: “Valeu a pena descobrir um caminho para ser feliz”.
Após a realização desta atividade que chamamos de Oficina de Leitura, voltei para casa com os versos de Casto Alves no pensamento:
“O livro caindo n'alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.”
Versos estes que me levam a repensar meu encontro com o livro e com a leitura. A importância ímpar do ato de ler na formação da minha própria identidade; o poder da ação do livro sobre mim, enquanto leitora e o poder da recepção da leitura, o significado que imponho ao que leio. Estes versos de Castro Alves, ao penetrar minha mente, me levam a repensar a significação desta descoberta para aqueles jovens; para aqueles adultos e crianças que se redescobriam pela via da leitura. Muitas leituras realizadas vêm à mente neste momento. Livros que li por prazer; livros que li por obrigação; livros que ganhei; que comprei; e muitos que ainda não conheci, mas certamente continuarão transformando a minha vida e tantas outras vidas.
Foi acreditando neste poder transformador da leitura que retornei à Associação de Capoeira Mangangá alguns dias após o fim das atividades. Cheguei com uma mochila nas costas e duas sacolas cheias de livros. Soube através do contra-mestre Gean, que a partir daquela semana, dedicariam as quartas-feiras à realização da oficina de leitura e produção de textos, o que me deixou muito satisfeita. Sentei-me à roda com o grupo inicial e apresentei os livros que tinha levado naquele dia para eles. Cláudia me perguntou curiosa:
— Quando vamos ter que devolver estes a você?
Respondi:
— Estes são seus. Agora já tem os livros.
Vi seus olhos sorrindo pra mim e o mesmo garotinho de outrora se sentou ao meu lado e perguntou:
— Tia, Tia! Que livro vou ler?
Neste momento mais uma vez Castro Alves se fez presente:
“Oh! Bendito o que semeia
Livros... Livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!”
Foi um momento muito feliz.
(* Esta atividade foi realizada em março de 2008. O texto foi publicado na segunda edição do Jornal Varal de Notícias, produzido por alunos do Mestrado em Estudos de Linguagem da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) em dezembro de 2008.)
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