8 volumes da edição completa.
Brasília: UNESCO, Secad/MEC, UFSCar, 2010.
Resumo: Publicada em oito volumes, a coleção História Geral da África está agora também disponível em português. A edição completa da coleção já foi publicada em árabe, inglês e francês; e sua versão condensada está editada em inglês, francês e em várias outras línguas, incluindo hausa, peul e swahili. Um dos projetos editoriais mais importantes da UNESCO nos últimos trinta anos, a coleção História Geral da África é um grande marco no processo de reconhecimento do patrimônio cultural da África, pois ela permite compreender o desenvolvimento histórico dos povos africanos e sua relação com outras civilizações a partir de uma visão panorâmica, diacrônica e objetiva, obtida de dentro do continente. A coleção foi produzida por mais de 350 especialistas das mais variadas áreas do conhecimento, sob a direção de um Comitê Científico Internacional formado por 39 intelectuais, dos quais dois terços eram africanos.
Download gratuito (somente na versão em português):
Volume I: Metodologia e Pré-História da África (PDF, 8.8 Mb)
ISBN: 978-85-7652-123-5
Volume II: África Antiga (PDF, 11.5 Mb)
ISBN: 978-85-7652-124-2
Volume III: África do século VII ao XI (PDF, 9.6 Mb)
ISBN: 978-85-7652-125-9
Volume IV: África do século XII ao XVI (PDF, 9.3 Mb)
ISBN: 978-85-7652-126-6
Volume V: África do século XVI ao XVIII (PDF, 18.2 Mb)
ISBN: 978-85-7652-127-3
Volume VI: África do século XIX à década de 1880 (PDF, 10.3 Mb)
ISBN: 978-85-7652-128-0
Volume VII: África sob dominação colonial, 1880-1935 (9.6 Mb)
ISBN: 978-85-7652-129-7
Volume VIII: África desde 1935 (9.9 Mb)
ISBN: 978-85-7652-130-3
Informações Adicionais:
Coleção História Geral da África
Programa Brasil-África: Histórias Cruzadas
São tantas histórias, são palavras tantas... E a História sendo tecida, Ora em linhas certas, Ora em linhas tontas...
Saudações aos deuses!
POR UMA EDUCAÇÃO ANTI-RACISTA
HISTÓRIA E A CULTURA AFRO-BRASILEIRA:
A RESISTÊNCIA CONTINUA!
A RESISTÊNCIA CONTINUA!
domingo, 12 de dezembro de 2010
domingo, 14 de novembro de 2010
Brasil 2011: Estado festejará Ano Internacional dos Afrodescendentes distribuindo livro racista nas escolas
Eliane Cavalleiro
Doutora em Educação – USP / Docente na Faculdade de Educação - UNB
A sociedade competitiva e os preconceitos geram uma violência que deve ser combatida pela escola. Ensinar a viver juntos é fundamental, conhecendo antes a si mesmo para depois conhecer e respeitar o outro na sua diversidade. A melhor maneira de resolver os conflitos é proporcionar formas de buscar projetos e objetivos em comum, através da cooperação, pois assim ao invés de confrontar forças opostas, soma-se a diversidade para fortalecer as construções coletivas (Jacques Delors, UNESCO, MEC, Cortez Editora, São Paulo, 1999).
De acordo com Delors, a transmissão de conhecimento sobre a diversidade humana, bem como a tomada de consciência das semelhanças e da interdependência entre todos os seres humanos do planeta constituem fundamentos da educação. Entretanto, às vésperas do Ano Internacional dos Afrodescendentes, o Ministério da Educação do Brasil rejeita consideração do Conselho Nacional de Educação, que atento às Leis que regem a Educação Nacional, pondera sobre a distribuição do livro de literatura infantil Caçadas de Pedrinho (1), de Monteiro Lobato, que, originalmente publicado no ano de 1933, difunde visão estereotipada sobre o negro e o universo africano, apresentando personagens negras subservientes, pouco inteligentes, até mesmo aludindo a animais como o macaco e o urubu quando se referem à personagem negra, como no trecho: "Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão".
Os movimentos sociais negros há tempos reivindicam ação substantiva por parte do Estado brasileiro em políticas públicas para a educação das relações étnico-raciais. Os movimentos sociais brancos e a elite, por sua vez, recusam toda e qualquer medida que visa combater o racismo e seus derivados na sociedade brasileira. Por sua vez, identificam-se setores progressistas da sociedade que lutam pelos direitos humanos, direitos das mulheres, gays e indígenas, mas que infelizmente se calam diante da luta antirracista.
Na questão em debate, de maneira previsível, debocham da pesquisadora e professora universitária e conselheira do CNE Nilma Lino Gomes, responsável maior pelo parecer, que possui formação intelectual que não fica atrás de nossa elite branca, uma vez que possui doutorado pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutorado na Universidade de Coimbra, sob orientação de um dos maiores nomes da intelectualidade atual, a saber, Boaventura de Sousa Santos. Mesmo com esse histórico intelectual, ela tem sido vista pelos racistas de plantão como incompetente e racista ao inverso. Isso somente reforça a obsessão pela continuidade da estrutura racista em nossa sociedade. Sobre o autor, Monteiro Lobato, nascido no século XIX, eugenista convicto, diz-se apenas ser uma referencia clássica. Certamente uma clássica escolha da elite nacional, que do alto de sua arrogância e prepotência acredita que seus eleitos sejam intocáveis e não passíveis de qualquer crítica e consideração.
O MEC tem o dever de combater qualquer tipo de situação discriminatória para qualquer grupo racial. Assim, o que deve ganhar nossa atenção nessa contenda é o fato de que mesmo o edital do PNBE/2010, estabelecido pelo MEC/FNDE, ter traçado como objetivo a “Observância de princípios éticos necessários à construção da cidadania e ao convívio social republicano” e ter estabelecido, conforme anexo III do referido edital, que “Serão excluídas as obras que: 1.3.1. veicularem estereótipos e preconceitos de condição social, regional, étnico- racial, de gênero, de orientação sexual, de idade”, temos um ministro que defende a distribuição irrestrita do livro por compreendê-lo como adequado para a educação de crianças em pleno processo de socialização.
Considerando que os doutos e doutas que administram o MEC leram Jaques Delors, Paulo Freire, Edgar Morin e tantos outros que adoram citar, não se pode alegar ingenuidade por parte da equipe diretiva do MEC, que aceitou parecer favorável à compra e à distribuição desse livro nas escolas públicas, cujo conteúdo fere o próprio edital por eles instituído. O que deve tomar o centro dessa discussão é o fato de o MEC anunciar uma política que vai ao encontro do disposto nas leis e também das reivindicações dos movimentos negros organizados, em nível nacional e internacional, mas na prática permitir o descumprimento de seu edital.
Ao ferir o edital, o próprio MEC abre precedente para que as editoras, cujas obras tenham sido excluídas por veicularem estereótipos, reivindiquem também a distribuição dos livros excluídos. Por que somente Lobato com estereótipo racial? Que tal o MEC também distribuir literatura sexista? Que tal textos com manifestações anti-semitas? Será que assim a sociedade se incomodaria?
Mas, por enquanto, mais uma vez magistralmente setores conservadores e/ou tranquilos com as consequências da discriminação racial nesta sociedade buscam inverter a discussão, de modo a que o maior problema passe a ser o tal “o racismo ao revés e a radicalidade dos movimentos negros”, e joga-se para debaixo do tapete o que deveria ser o centro da análise: o esfacelamento dos objetivos de combater a disseminação de estereótipos e preconceitos na política do PNBE, MEC.
Sejamos de fato coerentes e anti-racistas, reconheçamos a não-observação aos critérios do estabelecidos no Edital do PNBE/2010, insistamos na pergunta e exijamos do MEC uma pronta resposta: o que de fato ele tem realizado, quanto tem investido e qual a consistência e a efetividade de suas realizações, sobretudo em comparação com o que tem investido nas demais questões ligadas à diversidade e aos grupos historicamente discriminados? Dos livros selecionados pelo PNBE 2010, quantos favorecem a educação das relações de gênero? Quantos promovem o conhecimento positivo sobre a história e cultura dos povos indígenas? Se o MEC tivesse respeito por nós, seríamos informados sobre o cumprimento das metas para a implementação do artigo 26ª da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (Lei n. 9394/96), que se refere à obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras, indo ao encontro de tratados internacionais como a Convenção Contra a Discriminação na Educação (1960) e o Plano de Ação decorrente da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerância Correlata (2001), ambos sob os auspícios da Unesco.
Em 17 de abril de 2008, em entrevista à Agência Brasil, apos receber críticas sobre o retrocesso nas políticas para o combate ao racismo, o diretor do Departamento de Educação para Diversidade e Cidadania do MEC, Armênio Schmidt, confirmou a suspensão da distribuição de material didático e de ações de formação de professores na área étnico-racial em 2007. Segundo ele, a interrupção, apenas externa, nas ações voltadas à questão racial ocorreu por causa das mudanças no sistema de financiamento do MEC. Para o diretor tal suspensão se justificava pelo fato de o MEC estar, em 2007, “construindo uma nova forma de indução de políticas, de relação com estados e municípios, que foi o Programa de Ações Articuladas”. Para ele: “Durante [aquele] ano ... [2007] realmente não houve publicações e formação de professores. Mas, na nossa avaliação, não houve um retrocesso, porque isso vai possibilitar uma nova alavanca na questão da Lei [10.639]. Agora estados e municípios vão poder solicitar a formação de professores na sua rede, e o MEC vai produzir mais publicações e em maior número”(2).
Em 2010, além de não percebermos o fortalecimento da política, tampouco a retomada das publicações e uma consistente e sistemática formação de professores, flagramos o MEC permitindo a participação de livro cujo conteúdo veicula estereótipos e preconceitos contra o negro e o universo africano, constituindo assim flagrante inobservância das normas estabelecidas.
O atual presidente Lula, em seu começo de mandato, evidenciou, no campo da educação, a importância do combate ao racismo, promulgando a Lei 10.639/03, que, como já mencionado, alterou a LDB, tornando obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileiras na Educação Básica. Tal alteração contou com a pronta atenção do CNE, que, sob responsabilidade da conselheira Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, elaborou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino das Relações Étnico-Raciais e de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (CNE/CP 3/2004), cuja homologação foi assinada pelo então ministro da Educação, Tarso Genro. Contudo, embora conte com 83% de aprovação por parte da população e tenha ao longo de seu mandato visitado várias vezes o continente africano e discursado eloquentemente sobre a necessidade de reconhecimento do valor dos afrodescendentes na formação de nosso Estado Nacional, ele encerra seu mandato permitindo um declínio acentuado na elaboração e na implementação de políticas anti-racistas no campo da educação.
Se em 2003 podíamos reconhecer, ainda que timidamente, o fato de o combate ao racismo fazer parte da agenda política brasileira; em 2010, devemos denunciar o descompromisso com essa luta. Descompromisso que pode ser percebido pela redução acentuada do orçamento para a educação das relações raciais, pelo enxugamento da equipe de trabalho da Coordenação Geral de Diversidade e Inclusão Educacional/SECAD/MEC, responsável pela implementação das ações de diversidade étnico-racial. Ainda vale ressaltar que houve a retirada do portal de diversidade da rede do MEC; a interrupção de publicações sobre o tema para a formação de profissionais da educação, pelo frágil apoio que das secretarias de educação para o cumprimento do proposto no parecer CNE/CP 3/2004. Essas constituem algumas referências negativas, entre várias outras apontadas pelos estudos sobre o tema.
Nós negros, cidadãs e cidadãos, que trabalhamos duramente longos anos para a eleição do presidente Lula esperávamos mais. Esperávamos mais tanto do presidente quanto da sua equipe executiva que administra a educação brasileira. Esperávamos minimamente que ao longo desses anos a equipe tivesse compreendido o alcance e o impacto do racismo em nossa sociedade. Esperávamos que eles, respeitando os princípios de justiça social, independentemente dos grupos no poder, emitissem manifestações veementes pelo combate ao racismo na educação. Pelo visto as promessas de parcerias e acolhimento das nossas considerações eram falsas.
O que temos como resposta, para além do silêncio de toda Secretaria de Educação, Alfabetização e Diversidade, é o posicionamento por parte do ministro, que não vê racismo na obra, colocando-se favorável à sua distribuição irrestrita, que, em companhia de outros elementos no cotidiano escolar, sabemos, contribuirá para a formação de novos indivíduos racistas, como já se fez no passado. Sem dúvida, o discurso do ministro mostra-se engajado com sua própria raça, classe e gênero. O mais irônico é saber que em pleno século XXI o Brasil será visto como um país que avança na economia e retrocede nos direitos humanos da população negra.
Muitos admiram Monteiro Lobato. Eu admiro Luiz Gama que se valeu das páginas da imprensa em defesa da liberdade dos escravizados e disse, sintetizando nossa ainda atual resistência cotidiana: “Em verdade vos digo aqui, afrontando a lei, que todo o escravo que assassina o seu senhor, pratica um ato de legítima defesa”. O conhecimento é a arma que dispomos para lutar pela defesa de nossa história, nossa existência, bem como do futuro de nossos filhos e filhas. Essa é uma luta desigual, portanto desonesta. Mas ainda que muitos queiram nosso silêncio, seguiremos lutando e denunciando essa forma perversa de racismo que perdura na sociedade brasileira.
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(1) Tal obra foi selecionada pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola/2010, que objetiva a “seleção de obras de apoio pedagógico destinadas a subsidiar teórica e metodologicamente os docentes no desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem nos respectivos campos disciplinares, áreas do conhecimento e etapas/modalidades da educação básica” (Brasil. Edital PNBE 2010. Brasília: MEC/FNDE, 2010).
(2) Agência Brasil. Pesquisadora aponta retrocesso na política de combate ao racismo nas escolas. Disponível em:
http://verdesmares.globo.com/v3/canais/noticias.asp?codigo=216721&modulo=450 . Acessado em: novembro de 2010.
* Eliane Cavalleiro é Doutora em Educação - USP. Foi consultora UNESCO - Oficina Regional de Educação para América Latina e Caribe/OREALC, responsável pelo desenvolvimento da pesquisa: Discriminación y Pluralismo: Valorando la Diversidade em la Escuela. Atuou como Coordenadora Geral de Diversidade e Inclusão Educacional, na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – MEC (2004 a 2006). Livros: Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil, Contexto, 2000; Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola, Selo Negro/Summus, 2001; Veredas das noites sem fim: socialização e pertencimento racial em gerações sucessivas de famílias negras , Editora UNB. Docente na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília-UNB, tutora do Programa de Educação Tutorial (PET) da Faculdade de Educação. Foi Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as).
Doutora em Educação – USP / Docente na Faculdade de Educação - UNB
A sociedade competitiva e os preconceitos geram uma violência que deve ser combatida pela escola. Ensinar a viver juntos é fundamental, conhecendo antes a si mesmo para depois conhecer e respeitar o outro na sua diversidade. A melhor maneira de resolver os conflitos é proporcionar formas de buscar projetos e objetivos em comum, através da cooperação, pois assim ao invés de confrontar forças opostas, soma-se a diversidade para fortalecer as construções coletivas (Jacques Delors, UNESCO, MEC, Cortez Editora, São Paulo, 1999).
De acordo com Delors, a transmissão de conhecimento sobre a diversidade humana, bem como a tomada de consciência das semelhanças e da interdependência entre todos os seres humanos do planeta constituem fundamentos da educação. Entretanto, às vésperas do Ano Internacional dos Afrodescendentes, o Ministério da Educação do Brasil rejeita consideração do Conselho Nacional de Educação, que atento às Leis que regem a Educação Nacional, pondera sobre a distribuição do livro de literatura infantil Caçadas de Pedrinho (1), de Monteiro Lobato, que, originalmente publicado no ano de 1933, difunde visão estereotipada sobre o negro e o universo africano, apresentando personagens negras subservientes, pouco inteligentes, até mesmo aludindo a animais como o macaco e o urubu quando se referem à personagem negra, como no trecho: "Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão".
Os movimentos sociais negros há tempos reivindicam ação substantiva por parte do Estado brasileiro em políticas públicas para a educação das relações étnico-raciais. Os movimentos sociais brancos e a elite, por sua vez, recusam toda e qualquer medida que visa combater o racismo e seus derivados na sociedade brasileira. Por sua vez, identificam-se setores progressistas da sociedade que lutam pelos direitos humanos, direitos das mulheres, gays e indígenas, mas que infelizmente se calam diante da luta antirracista.
Na questão em debate, de maneira previsível, debocham da pesquisadora e professora universitária e conselheira do CNE Nilma Lino Gomes, responsável maior pelo parecer, que possui formação intelectual que não fica atrás de nossa elite branca, uma vez que possui doutorado pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutorado na Universidade de Coimbra, sob orientação de um dos maiores nomes da intelectualidade atual, a saber, Boaventura de Sousa Santos. Mesmo com esse histórico intelectual, ela tem sido vista pelos racistas de plantão como incompetente e racista ao inverso. Isso somente reforça a obsessão pela continuidade da estrutura racista em nossa sociedade. Sobre o autor, Monteiro Lobato, nascido no século XIX, eugenista convicto, diz-se apenas ser uma referencia clássica. Certamente uma clássica escolha da elite nacional, que do alto de sua arrogância e prepotência acredita que seus eleitos sejam intocáveis e não passíveis de qualquer crítica e consideração.
O MEC tem o dever de combater qualquer tipo de situação discriminatória para qualquer grupo racial. Assim, o que deve ganhar nossa atenção nessa contenda é o fato de que mesmo o edital do PNBE/2010, estabelecido pelo MEC/FNDE, ter traçado como objetivo a “Observância de princípios éticos necessários à construção da cidadania e ao convívio social republicano” e ter estabelecido, conforme anexo III do referido edital, que “Serão excluídas as obras que: 1.3.1. veicularem estereótipos e preconceitos de condição social, regional, étnico- racial, de gênero, de orientação sexual, de idade”, temos um ministro que defende a distribuição irrestrita do livro por compreendê-lo como adequado para a educação de crianças em pleno processo de socialização.
Considerando que os doutos e doutas que administram o MEC leram Jaques Delors, Paulo Freire, Edgar Morin e tantos outros que adoram citar, não se pode alegar ingenuidade por parte da equipe diretiva do MEC, que aceitou parecer favorável à compra e à distribuição desse livro nas escolas públicas, cujo conteúdo fere o próprio edital por eles instituído. O que deve tomar o centro dessa discussão é o fato de o MEC anunciar uma política que vai ao encontro do disposto nas leis e também das reivindicações dos movimentos negros organizados, em nível nacional e internacional, mas na prática permitir o descumprimento de seu edital.
Ao ferir o edital, o próprio MEC abre precedente para que as editoras, cujas obras tenham sido excluídas por veicularem estereótipos, reivindiquem também a distribuição dos livros excluídos. Por que somente Lobato com estereótipo racial? Que tal o MEC também distribuir literatura sexista? Que tal textos com manifestações anti-semitas? Será que assim a sociedade se incomodaria?
Mas, por enquanto, mais uma vez magistralmente setores conservadores e/ou tranquilos com as consequências da discriminação racial nesta sociedade buscam inverter a discussão, de modo a que o maior problema passe a ser o tal “o racismo ao revés e a radicalidade dos movimentos negros”, e joga-se para debaixo do tapete o que deveria ser o centro da análise: o esfacelamento dos objetivos de combater a disseminação de estereótipos e preconceitos na política do PNBE, MEC.
Sejamos de fato coerentes e anti-racistas, reconheçamos a não-observação aos critérios do estabelecidos no Edital do PNBE/2010, insistamos na pergunta e exijamos do MEC uma pronta resposta: o que de fato ele tem realizado, quanto tem investido e qual a consistência e a efetividade de suas realizações, sobretudo em comparação com o que tem investido nas demais questões ligadas à diversidade e aos grupos historicamente discriminados? Dos livros selecionados pelo PNBE 2010, quantos favorecem a educação das relações de gênero? Quantos promovem o conhecimento positivo sobre a história e cultura dos povos indígenas? Se o MEC tivesse respeito por nós, seríamos informados sobre o cumprimento das metas para a implementação do artigo 26ª da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (Lei n. 9394/96), que se refere à obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras, indo ao encontro de tratados internacionais como a Convenção Contra a Discriminação na Educação (1960) e o Plano de Ação decorrente da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerância Correlata (2001), ambos sob os auspícios da Unesco.
Em 17 de abril de 2008, em entrevista à Agência Brasil, apos receber críticas sobre o retrocesso nas políticas para o combate ao racismo, o diretor do Departamento de Educação para Diversidade e Cidadania do MEC, Armênio Schmidt, confirmou a suspensão da distribuição de material didático e de ações de formação de professores na área étnico-racial em 2007. Segundo ele, a interrupção, apenas externa, nas ações voltadas à questão racial ocorreu por causa das mudanças no sistema de financiamento do MEC. Para o diretor tal suspensão se justificava pelo fato de o MEC estar, em 2007, “construindo uma nova forma de indução de políticas, de relação com estados e municípios, que foi o Programa de Ações Articuladas”. Para ele: “Durante [aquele] ano ... [2007] realmente não houve publicações e formação de professores. Mas, na nossa avaliação, não houve um retrocesso, porque isso vai possibilitar uma nova alavanca na questão da Lei [10.639]. Agora estados e municípios vão poder solicitar a formação de professores na sua rede, e o MEC vai produzir mais publicações e em maior número”(2).
Em 2010, além de não percebermos o fortalecimento da política, tampouco a retomada das publicações e uma consistente e sistemática formação de professores, flagramos o MEC permitindo a participação de livro cujo conteúdo veicula estereótipos e preconceitos contra o negro e o universo africano, constituindo assim flagrante inobservância das normas estabelecidas.
O atual presidente Lula, em seu começo de mandato, evidenciou, no campo da educação, a importância do combate ao racismo, promulgando a Lei 10.639/03, que, como já mencionado, alterou a LDB, tornando obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileiras na Educação Básica. Tal alteração contou com a pronta atenção do CNE, que, sob responsabilidade da conselheira Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, elaborou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino das Relações Étnico-Raciais e de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (CNE/CP 3/2004), cuja homologação foi assinada pelo então ministro da Educação, Tarso Genro. Contudo, embora conte com 83% de aprovação por parte da população e tenha ao longo de seu mandato visitado várias vezes o continente africano e discursado eloquentemente sobre a necessidade de reconhecimento do valor dos afrodescendentes na formação de nosso Estado Nacional, ele encerra seu mandato permitindo um declínio acentuado na elaboração e na implementação de políticas anti-racistas no campo da educação.
Se em 2003 podíamos reconhecer, ainda que timidamente, o fato de o combate ao racismo fazer parte da agenda política brasileira; em 2010, devemos denunciar o descompromisso com essa luta. Descompromisso que pode ser percebido pela redução acentuada do orçamento para a educação das relações raciais, pelo enxugamento da equipe de trabalho da Coordenação Geral de Diversidade e Inclusão Educacional/SECAD/MEC, responsável pela implementação das ações de diversidade étnico-racial. Ainda vale ressaltar que houve a retirada do portal de diversidade da rede do MEC; a interrupção de publicações sobre o tema para a formação de profissionais da educação, pelo frágil apoio que das secretarias de educação para o cumprimento do proposto no parecer CNE/CP 3/2004. Essas constituem algumas referências negativas, entre várias outras apontadas pelos estudos sobre o tema.
Nós negros, cidadãs e cidadãos, que trabalhamos duramente longos anos para a eleição do presidente Lula esperávamos mais. Esperávamos mais tanto do presidente quanto da sua equipe executiva que administra a educação brasileira. Esperávamos minimamente que ao longo desses anos a equipe tivesse compreendido o alcance e o impacto do racismo em nossa sociedade. Esperávamos que eles, respeitando os princípios de justiça social, independentemente dos grupos no poder, emitissem manifestações veementes pelo combate ao racismo na educação. Pelo visto as promessas de parcerias e acolhimento das nossas considerações eram falsas.
O que temos como resposta, para além do silêncio de toda Secretaria de Educação, Alfabetização e Diversidade, é o posicionamento por parte do ministro, que não vê racismo na obra, colocando-se favorável à sua distribuição irrestrita, que, em companhia de outros elementos no cotidiano escolar, sabemos, contribuirá para a formação de novos indivíduos racistas, como já se fez no passado. Sem dúvida, o discurso do ministro mostra-se engajado com sua própria raça, classe e gênero. O mais irônico é saber que em pleno século XXI o Brasil será visto como um país que avança na economia e retrocede nos direitos humanos da população negra.
Muitos admiram Monteiro Lobato. Eu admiro Luiz Gama que se valeu das páginas da imprensa em defesa da liberdade dos escravizados e disse, sintetizando nossa ainda atual resistência cotidiana: “Em verdade vos digo aqui, afrontando a lei, que todo o escravo que assassina o seu senhor, pratica um ato de legítima defesa”. O conhecimento é a arma que dispomos para lutar pela defesa de nossa história, nossa existência, bem como do futuro de nossos filhos e filhas. Essa é uma luta desigual, portanto desonesta. Mas ainda que muitos queiram nosso silêncio, seguiremos lutando e denunciando essa forma perversa de racismo que perdura na sociedade brasileira.
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(1) Tal obra foi selecionada pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola/2010, que objetiva a “seleção de obras de apoio pedagógico destinadas a subsidiar teórica e metodologicamente os docentes no desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem nos respectivos campos disciplinares, áreas do conhecimento e etapas/modalidades da educação básica” (Brasil. Edital PNBE 2010. Brasília: MEC/FNDE, 2010).
(2) Agência Brasil. Pesquisadora aponta retrocesso na política de combate ao racismo nas escolas. Disponível em:
http://verdesmares.globo.com/v3/canais/noticias.asp?codigo=216721&modulo=450 . Acessado em: novembro de 2010.
* Eliane Cavalleiro é Doutora em Educação - USP. Foi consultora UNESCO - Oficina Regional de Educação para América Latina e Caribe/OREALC, responsável pelo desenvolvimento da pesquisa: Discriminación y Pluralismo: Valorando la Diversidade em la Escuela. Atuou como Coordenadora Geral de Diversidade e Inclusão Educacional, na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – MEC (2004 a 2006). Livros: Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil, Contexto, 2000; Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola, Selo Negro/Summus, 2001; Veredas das noites sem fim: socialização e pertencimento racial em gerações sucessivas de famílias negras , Editora UNB. Docente na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília-UNB, tutora do Programa de Educação Tutorial (PET) da Faculdade de Educação. Foi Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as).
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
DEFESA DA MINHA DISSERTAÇÃO: LUIZA MAHIN ENTRE FICÇÃO E HISTÓRIA
A defesa da minha dissertação está marcada para o dia 23 de novembro, às 14 horas no prédio do mestrado, no Campus I da UNEB (Salvador), sala 03. Convido a todos a participarem deste monento comigo. Segue abaixo o resumo da dissertação:
Luiza Mahin entre ficção e história
Este trabalho objetiva analisar representações de Luiza Mahin na história e na literatura a partir da consulta a escritos historiográficos que versam sobre temas relacionados à atuação revolucionária de Luiza Mahin ou à vida do seu filho, o poeta Luiz Gama, e a dois romances históricos: Malês, a insurreição das senzalas — escrito por Pedro Calmon (1933) — e Um defeito de cor, da escritora Ana Maria Gonçalves (2006). Concebida pela memória coletiva afro-brasileira como uma quitandeira que foi escrava de ganho e nunca se submeteu ao cativeiro, Luiza Mahin transita entre a história e a ficção como uma heroína do povo negro. A utilização de fontes historiográficas e literárias na escrita deste trabalho permitiu traçar o perfil da personagem analisada nas duas áreas a partir da compreensão de que em um romance, especialmente no romance histórico, o sentimento de realidade pode fazer com que a verdade da ficção assegure a verdade da existência, de forma que uma personagem bem elaborada torna-se um poderoso elemento de convicção e identificação pessoal. Defendendo o argumento de que a construção de um mito independe da comprovação da sua existência e assegura o preenchimento de lacunas existentes no campo da história, atendendo a um apelo popular de identificação e pertencimento a um grupo social, esta pesquisa se pautou na noção de representação. Partindo da análise da carta autobiográfica de Luiz Gama e do poema Minha Mãe, elementos geradores da legenda Luiza Mahin, é traçado o seu perfil historiográfico. Em seguida, um cruzamento entre as duas obras ficcionais estudadas demonstra a influência do tempo presente sobre a escrita romanesca promovendo o rompimento da fronteira entre um personagem de ficção e uma realidade possível. Considerando o exposto é importante ressaltar que trajetórias de vida como a de Luiza Mahin, verdadeiras ou não, reais ou fictícias, inventadas ou reveladas, traduzem a independência, a ousadia e, mais que isso, a presença marcante e definitiva do negro na história do Brasil como ser autônomo, consciente e determinado.
Abraços!!!!
Aline Najara Gonçalves
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Especialista em História e Cultura Afro-Brasileira
Mestranda em Estudos de Linguagem (UNEB)
(71) 8628-2111
http://www.historiandocomapreta.blogspot.com
Luiza Mahin entre ficção e história
Este trabalho objetiva analisar representações de Luiza Mahin na história e na literatura a partir da consulta a escritos historiográficos que versam sobre temas relacionados à atuação revolucionária de Luiza Mahin ou à vida do seu filho, o poeta Luiz Gama, e a dois romances históricos: Malês, a insurreição das senzalas — escrito por Pedro Calmon (1933) — e Um defeito de cor, da escritora Ana Maria Gonçalves (2006). Concebida pela memória coletiva afro-brasileira como uma quitandeira que foi escrava de ganho e nunca se submeteu ao cativeiro, Luiza Mahin transita entre a história e a ficção como uma heroína do povo negro. A utilização de fontes historiográficas e literárias na escrita deste trabalho permitiu traçar o perfil da personagem analisada nas duas áreas a partir da compreensão de que em um romance, especialmente no romance histórico, o sentimento de realidade pode fazer com que a verdade da ficção assegure a verdade da existência, de forma que uma personagem bem elaborada torna-se um poderoso elemento de convicção e identificação pessoal. Defendendo o argumento de que a construção de um mito independe da comprovação da sua existência e assegura o preenchimento de lacunas existentes no campo da história, atendendo a um apelo popular de identificação e pertencimento a um grupo social, esta pesquisa se pautou na noção de representação. Partindo da análise da carta autobiográfica de Luiz Gama e do poema Minha Mãe, elementos geradores da legenda Luiza Mahin, é traçado o seu perfil historiográfico. Em seguida, um cruzamento entre as duas obras ficcionais estudadas demonstra a influência do tempo presente sobre a escrita romanesca promovendo o rompimento da fronteira entre um personagem de ficção e uma realidade possível. Considerando o exposto é importante ressaltar que trajetórias de vida como a de Luiza Mahin, verdadeiras ou não, reais ou fictícias, inventadas ou reveladas, traduzem a independência, a ousadia e, mais que isso, a presença marcante e definitiva do negro na história do Brasil como ser autônomo, consciente e determinado.
Abraços!!!!
Aline Najara Gonçalves
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Especialista em História e Cultura Afro-Brasileira
Mestranda em Estudos de Linguagem (UNEB)
(71) 8628-2111
http://www.historiandocomapreta.blogspot.com
domingo, 26 de setembro de 2010
SALÃO DE BELEZA NEGA-SE A CORTAR CABELO DE CRIANÇA NEGRA
Funcionários do “Salão Fascínio”, localizado no andar térreo do
Shopping Itaigara, em Salvador, recusaram-se hoje, dia 23 de setembro,
a cortar o cabelo de uma criança negra, de seis anos, recomendando a
mãe que “passasse a máquina”, pois aquele cabelo “não dava para ser
cortado, nem desembaraçado”. A mãe da criança, a jornalista Márcia
Guena, acusou os funcionários e a dona do salão de racismo e logo
procurou a administração do shopping para formalizar a denúncia. Neste
caso configura-se um duplo crime por tratar-se de racismo e de
violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por expor uma
criança a uma situação vexatória.
Acompanhado da mãe, o menino M.S.G.S.O. entrou no salão por volta das
18:30, do dia 23 de setembro, quando Guena solicitou ao único
funcionário homem do salão, para quem foi indicada pela atendente
Selma (a qual foi identificada como dona do salão), um corte estilo
“black”, mas não muito alto. O funcionário então respondeu que para
“aquele cabelo” só dava para “passar a máquina”. A mãe então disse:
“eu não solicitei que passem a máquina, mas que cortem o cabelo do meu
filho. Eu já indiquei o corte que desejo”. O atendente repetiu: ”só dá
pra passar a máquina”. Guena retirou a criança da cadeira e saiu
imediatamente do salão para não expor a criança a uma discussão
motivada pelo racismo explícito. Mas diante da violência cometida
contra a criança, que foi exposta a uma situação vexatória, e a recusa
de cortar o cabelo de um negro, a mãe voltou com a finalidade de
procurar a gerente e formalizar a denúncia de racismo.
Ao retornar, Guena disse para Selma que a recusa em cortar o cabelo de
seu filho configurava-se racismo, um crime inafiançável e que iria
formalizar a denúncia junto ao Ministério Público. Selma, identificada
como Maria Tavares de Oliveira, contestou dizendo que a mãe estava
errada e que seus funcionários disseram que não sabiam cortar o cabelo
da criança e que seria muito difícil desembaraçá-lo. Por isso, só
poderiam passar a máquina, insistindo na resposta inicial do
funcionário.
A mãe retirou-se do local e procurou a administração do Shopping.
Guena foi recebida por Alda, que se identificou como administradora, e
reconheceu a gravidade do problema, confirmando tratar-se sim de uma
situação de racismo. Imediatamente ligou para Selma (Maria Tavares
Oliveira) reclamando da forma como foi realizado o atendimento.
CONTATOS:
Márcia Guena (mãe) – 8788 9991
Aspri (pai) – 8876 4445
Alda (administradora do shopping Itaigara) 99812452 ou 32708900
Salão Fascínio – Selma (Maria Tavares de Oliveira)
Shopping Itaigara, em Salvador, recusaram-se hoje, dia 23 de setembro,
a cortar o cabelo de uma criança negra, de seis anos, recomendando a
mãe que “passasse a máquina”, pois aquele cabelo “não dava para ser
cortado, nem desembaraçado”. A mãe da criança, a jornalista Márcia
Guena, acusou os funcionários e a dona do salão de racismo e logo
procurou a administração do shopping para formalizar a denúncia. Neste
caso configura-se um duplo crime por tratar-se de racismo e de
violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por expor uma
criança a uma situação vexatória.
Acompanhado da mãe, o menino M.S.G.S.O. entrou no salão por volta das
18:30, do dia 23 de setembro, quando Guena solicitou ao único
funcionário homem do salão, para quem foi indicada pela atendente
Selma (a qual foi identificada como dona do salão), um corte estilo
“black”, mas não muito alto. O funcionário então respondeu que para
“aquele cabelo” só dava para “passar a máquina”. A mãe então disse:
“eu não solicitei que passem a máquina, mas que cortem o cabelo do meu
filho. Eu já indiquei o corte que desejo”. O atendente repetiu: ”só dá
pra passar a máquina”. Guena retirou a criança da cadeira e saiu
imediatamente do salão para não expor a criança a uma discussão
motivada pelo racismo explícito. Mas diante da violência cometida
contra a criança, que foi exposta a uma situação vexatória, e a recusa
de cortar o cabelo de um negro, a mãe voltou com a finalidade de
procurar a gerente e formalizar a denúncia de racismo.
Ao retornar, Guena disse para Selma que a recusa em cortar o cabelo de
seu filho configurava-se racismo, um crime inafiançável e que iria
formalizar a denúncia junto ao Ministério Público. Selma, identificada
como Maria Tavares de Oliveira, contestou dizendo que a mãe estava
errada e que seus funcionários disseram que não sabiam cortar o cabelo
da criança e que seria muito difícil desembaraçá-lo. Por isso, só
poderiam passar a máquina, insistindo na resposta inicial do
funcionário.
A mãe retirou-se do local e procurou a administração do Shopping.
Guena foi recebida por Alda, que se identificou como administradora, e
reconheceu a gravidade do problema, confirmando tratar-se sim de uma
situação de racismo. Imediatamente ligou para Selma (Maria Tavares
Oliveira) reclamando da forma como foi realizado o atendimento.
CONTATOS:
Márcia Guena (mãe) – 8788 9991
Aspri (pai) – 8876 4445
Alda (administradora do shopping Itaigara) 99812452 ou 32708900
Salão Fascínio – Selma (Maria Tavares de Oliveira)
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
O racismo oculto nos elevadores
Quando criei este blog não tinha a pretensão de expor experiências pessoais; de falar de mim, mas de socializar textos e notícias referentes a estratégias de implantação de uma educação anti-racista e libertadora. Todavia, hoje, algo aconteceu e merece que eu abra uma excessão em relação a isso. Assim, o que vou contar é um relato de uma experiência que vivi hj, ou melhor, vivemos: eu, minhas duas cunhadas e minha filha, de apenas 1 ano e três meses de vida, que já se tornou alvo do olhar preconceituoso dessa sociedade hipócrita em que vivemos.Entenda-se por PRECONCEITO uma idéia pré concebida; algo que se acredita antes mesmo de se comprovar. Vamos ao fato:
Estou hospedada na casa de meus tios, num edifício de classe média numa bairro tradicional em Salvador. Esperava o elevador com minhas cunhadas e minha filha no 10 andar, quendo o elevador desceu do 11 andar e lá estava uma mulher que deve se achar branca, de cerca de 45 anos ou 50 anos. Demos boa noite e não ouvimos resposta. No painel do elevador, marcava 2G (segunda garagem). Era para onde íamos. A mulher simplesmente apertou o botão do térreo e nós aguardamos. Chegando ao térreo, dei passagem para que ela descesse. Então ouvi: "Vou para a garagem. Achei que vc fosse descer no térreo!" Escutei aquilo. Por estar com minha filha, optei por "não entender". Aquela mulher tinha tanta certeza que não íamos para a garagem que fez o favor de apertar o botão para que deixássemos o elevador no térreo. Ou seja, o PRECONCEITO falou mais alto e o pensamento foi materializado com a ação.
Para aqueles que dizem que negro ver racismo em tudo, cabe uma pergunta: o que é isso, então? A gente vive numa sociedade que nega o preconceito, nega as diferenças e luta pela igualdade. O paradoxo é ratificado pela necessidade que temos de exigir leis que defendam a população negra de atitudes excludentes e ainda, de políticas públicas que obriguem o que deveria ser de direito, como o acesso à educação, o reconhecimento dda importância histórico-cultural. O botão do térreo apertado pelo outro simboliza a certeza da não ascensão do negro; a certeza de que não se é capaz de dispor de hábitos ou certas facilidades que o mundo material oferece. O botão do térreo apertado pelo outro hoje foi apenas mais um sinal do racismo sutil presente na sociedade brasileira. o racismo oculto dos elevadores.
Aline Najara Gonçalves.
terça-feira, 14 de setembro de 2010
IV SEMINÁRIO DO GRUPO DE PESQUISA HISTÓRIA, LITERATURA E MEMÓRIA
Romance histórico e memória: retratação de narrativas do passado
UNEB - Campus II - Alagoinhas
De 30/11 a 02/12
O IV Seminário do Grupo de Pesquisa História, Literatura e Memória pretende atualizar as discussões em torno desses três campos de estudo e socializar os resultados das pesquisas com a comunidade acadêmica. A proposta abrange reflexões acerca do tema romance histórico como gênero e como fonte de pesquisa. No entanto, embora se proponha a tematizar sobre o romance histórico, o evento contempla, ainda, o debate que envolve diferentes abordagens de narrativas memorialísticas. Ambos, o romance e as memórias, apresentam elementos ficcionais que desafiam e estimulam o ofício do historiador. O Seminário constitui-se, portanto, num espaço de encontro entre estudantes e pesquisadores que elegem os diálogos entre os campos acima enunciados como eixo da sua abordagem.
Cronograma do evento:
· 15/09 a 10/10: Inscrições para comunicaçãoouvintes
· 20/10: Envio das cartas de aceite
· 15/11 a 30/11: Inscrições presenciais para ouvinte (Colegiado de História - UNEB, Campus II)
· 30/11 a 02/12: Realização do Seminário
As inscrições para comunicação e para ouvintes podem ser feitas através do site:http://literaturaehistoria.webnode.com.br/
sábado, 21 de agosto de 2010
A mulher na África antiga
[O matriarcado] constitui uma das grandes qualidades próprias às antigas culturas africanas [...]
[O matriarcado] não significa a dominação da mulher sobre o homem, mas a divisão de responsabilidades e privilégios. O poder é, na maioria das vezes, compartilhado entre mulher e homem, assegurando um equilíbrio estável nos negócios de Estado. [...]
São abundantes os exemplos de mulheres soberanas no Egito antigo. [...] Na Bíblia e nos registros históricos, encontramos o exemplo de Makeda (1005-950 a.C.), rainha de Sabá, soberana de um reino que se estendia desde partes do Egito à Etiópia, Sudão, Arábia, Síria e até a regiões da Índia. Além de controlar o comércio riquíssimo da região, de ouro, marfim, responsáveis pela ereção de palácios, estátuas, monumentos, complexos urbanos, represas e sistemas hidraúlicos sofisticadíssimos. [...]
A história da África conhece muitas rainhas-guerreiras, estadistas, que em vários casos enfrentaram militar e politicamente os escravistas e colonizadores europeus.
As mulheres também ocupavam posições importantes e cargos de responsabilidades no Reino de Kush (atual Sudão). Podiam ser, por exemplo, as sacerdotisas dos templos em Napata. A rainha era responsável pela educação dos príncipes até a idade de 21 anos e tinha um papel especial na política. Ela adotava a esposa do filho e com isso influía duplamente na administração do reino, tanto por meio do filho quanto da nora.
Por várias vezes a rainha-mãe ocupou, ela própria, o poder político, chegando a combater batalhas contra outros povos, como no enfrentamento com os romanos. A rainha-mãe reinante recebia o título de senhora do Kush ou candace. Este título deriva da palavra meroíta Ktke e significa rainha-mãe. Entre as candaces que chegaram ao poder encontra-se a famosa Amanishaketo (42 a.C.-12 a.C.), que usava também o título de gere, que quer dizer "chefe".
Uma das poucas vezes que a África antiga aparece na história universal é quando se conta que o povo cuxita, comandado por uma mulher, provavelmente Amanishaketo, enfrentou o poderoso Império Romano. Em 21 a.C., a rainha conseguiu que o imperador romano Augusto aceitasse assinar um acordo de paz pelo qual os cuxitas ficariam livres de pagar impostos aos romanos.
A estabilidade política do Reino de Kush tem despertado o interesse dos historiadores. Enquanto em outros reinos antigos existiram várias dinastias e muita violência na luta pelo poder, Kush, até onde se sabe, foi governado por reis ou rainhas de uma mesma família. Os fatores que podem ter contribuído para a estabilidade política e longevidade deste reino africano são: o sistema de escolha do rei, o rígido controle da monarquia sobre as riquezas minerais existentes no subsolo cuxita e a marcante participação da mulher no poder.
[O matriarcado] não significa a dominação da mulher sobre o homem, mas a divisão de responsabilidades e privilégios. O poder é, na maioria das vezes, compartilhado entre mulher e homem, assegurando um equilíbrio estável nos negócios de Estado. [...]
São abundantes os exemplos de mulheres soberanas no Egito antigo. [...] Na Bíblia e nos registros históricos, encontramos o exemplo de Makeda (1005-950 a.C.), rainha de Sabá, soberana de um reino que se estendia desde partes do Egito à Etiópia, Sudão, Arábia, Síria e até a regiões da Índia. Além de controlar o comércio riquíssimo da região, de ouro, marfim, responsáveis pela ereção de palácios, estátuas, monumentos, complexos urbanos, represas e sistemas hidraúlicos sofisticadíssimos. [...]
A história da África conhece muitas rainhas-guerreiras, estadistas, que em vários casos enfrentaram militar e politicamente os escravistas e colonizadores europeus.
(Elisa Larkin Nascimento, "As civilizações africanas no mundo antigo", na Revista Thoth nº 03, set./dez. 1997.)
As mulheres também ocupavam posições importantes e cargos de responsabilidades no Reino de Kush (atual Sudão). Podiam ser, por exemplo, as sacerdotisas dos templos em Napata. A rainha era responsável pela educação dos príncipes até a idade de 21 anos e tinha um papel especial na política. Ela adotava a esposa do filho e com isso influía duplamente na administração do reino, tanto por meio do filho quanto da nora.
Por várias vezes a rainha-mãe ocupou, ela própria, o poder político, chegando a combater batalhas contra outros povos, como no enfrentamento com os romanos. A rainha-mãe reinante recebia o título de senhora do Kush ou candace. Este título deriva da palavra meroíta Ktke e significa rainha-mãe. Entre as candaces que chegaram ao poder encontra-se a famosa Amanishaketo (42 a.C.-12 a.C.), que usava também o título de gere, que quer dizer "chefe".
Uma das poucas vezes que a África antiga aparece na história universal é quando se conta que o povo cuxita, comandado por uma mulher, provavelmente Amanishaketo, enfrentou o poderoso Império Romano. Em 21 a.C., a rainha conseguiu que o imperador romano Augusto aceitasse assinar um acordo de paz pelo qual os cuxitas ficariam livres de pagar impostos aos romanos.
A estabilidade política do Reino de Kush tem despertado o interesse dos historiadores. Enquanto em outros reinos antigos existiram várias dinastias e muita violência na luta pelo poder, Kush, até onde se sabe, foi governado por reis ou rainhas de uma mesma família. Os fatores que podem ter contribuído para a estabilidade política e longevidade deste reino africano são: o sistema de escolha do rei, o rígido controle da monarquia sobre as riquezas minerais existentes no subsolo cuxita e a marcante participação da mulher no poder.
Fonte: superverme.blogspot.com/.../mulher-na-africa-antiga.html
domingo, 15 de agosto de 2010
A MITOLOGIA AFRICANA EM SALA-DE-AULA
No exercício de educar para a vida, o pensamento africano mantém como tradição as histórias míticas, que podem ser consideradas como práticas educacionais que chamam a atenção para princípios e valores que vão inserir a criança ou o jovem na história da comunidade e na grande história da vida. No pensamento africano, a fala ganha força, forma e sentido, significado e orientação para a vida. A palavra é vida, é ação, é jeito de aprender e de ensinar. Assim nasceram os mitos. Contar mitos, em muitos lugares na África, faz parte do jeito de educar a criança que, mesmo antes de ir para escola, aprende as histórias da sua comunidade, os acontecimentos passados, valorizando-os como novidade. Os mitos de matriz cultural evidenciam valores de convivência e solidariedade
A mitologia iorubana nos conta que Olorum criou o mundo, criando todas as águas, todas as terras e todos os filhos das águas e do seio das terras. Criou uma multiplicidade de plantas e bichos de todas as cores e tamanhos. Um dia, Olorum chamou Oxalá e ordenou que ele criasse o ser humano. Oxalá, sem perda de tempo, deu início ao trabalho que lhe foi ordenado. Fez um homem de ferro, constatou que era rígido demais. Fez outro de madeira, que também ficou muito sem jeito. Tentou de pedra, o homem ficou muito frio. Depois, tentou de água, mas o ser não tomava uma forma definida. Tentou fogo, mas, depois de pronto, a criatura se consumiu no seu próprio fogo. Fez um ser de ar, depois de pronto o homem voltou a ser o que era no princípio, apenas ar. Ele ainda tentou criar também, com azeite e vinho deCompreender a mitologia africana passa pela necessidade de apreensão de outras realidades. O ser humano não foi construído de um único elemento da natureza. A construção foi de um ser síntese do mundo, síntese de elementos universais. O pensamento africano, destacadamente a mitologia, serve como reflexão para aproximação ou reconciliação da cultura com a ciência, com a Filosofia, com a Psicologia moderna e com a vida, na elaboração de saberes e fazeres e as práticas educacionais.
palma. Mas nada aconteceu. Preocupado, sentou-se à margem do rio, observando a água passar. Das profundezas do rio surge Nanã, que indaga sobre a sua preocupação. Oxalá fala da sua responsabilidade naquele momento e das suas tentativas infecundas. Nanã mergulha nas águas profundas e traz lama. Volta e traz mais lama e entrega para Oxalá, para que ele cumprisse a sua missão. Oxalá constrói este outro ser e percebe com alegria que ele é flexível, que ele move os olhos, os braços, a cabeça [...] então, sopra-lhe a vida. A criatura respira e sai cantando pelo mundo: ara aiyê modupé / Orumilá funfun ojo/ nilê ô. (Esta é uma cantiga de agradecimento composta por Mestre Didi).
(...)
Os mitos de matriz cultural africana favorecem a construção da identidade da criança afrodescendente, permitindo-lhe a condição de ser, pertencer e participar de seu grupo étnico, reconhecendo os valores da sua comunidade, o que pode lhe servir como exemplo positivo e estímulo para participação na comunidade. O comportamento solidário encontrado nos mitos, e até nas situações paradoxais, se constituem em bens coletivos, e acreditamos no seu funcionamento como perspectiva de transformar a Educação das Relações Étnico-Raciais para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana em uma possibilidade de a criança ganhar qualificação e respeito à sua diferença, conquistando visibilidade, expressando-se e sendo considerada. Acreditamos que é possível fazer configurar, finalmente, a identidade e a consciência pluricultural na escola, que atingirá seu objetivo de construir cidadãos autônomos e coletivos.
Fonte: Mitos afro-brasileiros e vivências educacionais - Vanda Machado
segunda-feira, 26 de julho de 2010
MOTIVOS PARA UMA EDUCAÇÃO ANTI-RACISTA:
☼ O Brasil é o segundo país do mundo em população afro-descendente.
☼ O Brasil foi o último país a abolir a escravidão e também o país que mais importou pessoas da África para serem escravizadas (cerca de 4 milhões).
☼ Entre os 10% mais pobres da população, 65% das pessoas são negras.
☼ A expectativa de vida para a população branca brasileira é, em média, seis anos superior àquela para a população negra.
☼ Entre as pessoas assalariadas com nível superior, negras e negros recebem, em média, 64% do salário recebido por brancas e brancos.
Fonte: www.dialogoscontraoracismo.org.br
IDENTIDADEJorge Aragão
Elevador é quase um templo
Exemplo pra minar teu sono
Sai desse compromisso
Não vai no de serviço
Se o social tem dono, não vai
Quem sede a vez não quer vitória
Somos herança da memória
Temos a cor da noite
Filhos de todo açoite
Fato real da nossa história
Se preto de alma branca pra você
É o exemplo da dignidade
Não nos ajuda só nos faz sofrer
Nem resgata nossa identidade
☼ O Brasil foi o último país a abolir a escravidão e também o país que mais importou pessoas da África para serem escravizadas (cerca de 4 milhões).
☼ Entre os 10% mais pobres da população, 65% das pessoas são negras.
☼ A expectativa de vida para a população branca brasileira é, em média, seis anos superior àquela para a população negra.
☼ Entre as pessoas assalariadas com nível superior, negras e negros recebem, em média, 64% do salário recebido por brancas e brancos.
Fonte: www.dialogoscontraoracismo.org.br
IDENTIDADEJorge Aragão
Elevador é quase um templo
Exemplo pra minar teu sono
Sai desse compromisso
Não vai no de serviço
Se o social tem dono, não vai
Quem sede a vez não quer vitória
Somos herança da memória
Temos a cor da noite
Filhos de todo açoite
Fato real da nossa história
Se preto de alma branca pra você
É o exemplo da dignidade
Não nos ajuda só nos faz sofrer
Nem resgata nossa identidade
domingo, 25 de julho de 2010
PARE E PENSE!
A covardia coloca a questão: 'É seguro?'
O comodismo coloca a questão: 'É popular?'
A etiqueta coloca a questão: 'É elegante?'
Mas a consciência coloca a questão: 'É correto?'
E chega uma altura em que temos de tomar uma posição que não é segura, não é elegante, não é popular, mas o temos de fazer porque a nossa consciência nos diz que é essa a atitude correta.
(Martin Luther King)
O comodismo coloca a questão: 'É popular?'
A etiqueta coloca a questão: 'É elegante?'
Mas a consciência coloca a questão: 'É correto?'
E chega uma altura em que temos de tomar uma posição que não é segura, não é elegante, não é popular, mas o temos de fazer porque a nossa consciência nos diz que é essa a atitude correta.
(Martin Luther King)
sábado, 24 de julho de 2010
O POVO NEGRO NA SALA DE AULA: Propostas e Desafios
Aline Najara da Silva Gonçalves
Após sete anos que a Lei 10639/03 foi promulgada, se apresenta como um grande desafio aos educadores, seja pelo desconhecimento de materiais pedagógicos que fundamentem a exposição, seja pela incompreensão da necessidade de sua aplicação. O que pretendo nesta breve análise não é trazer soluções para as inquietações a respeito do tema, até porque esta é uma temática que suscita polêmicas e certamente não vai ser esgotada nestas linhas. Minha intenção é socializar experiências que deram certo, expor alguns problemas e incitar questionamentos.
O primeiro desafio com o qual nos deparamos diz respeito à história da África e dos africanos. Por muito tempo, o que conhecemos sobre a história do continente africano esteve restrito ao período que se inicia com a instituição do escravismo no Brasil. Assim, o continente africano é conhecido como origem de escravos e os termos África e africano ficaram estritamente relacionados à escravidão, numa representação que foi instituída a partir dos valores e concepções de mundo ocidentais. Dessa forma, em escritos produzidos sobre a África, encontramos equívocos, preconceitos e uma carga enorme de estereótipos, chegando ao ponto de este ser considerado um continente sem história.
O filósofo alemão Hegel acreditava na incapacidade de o africano para construir a sua própria história. Nesta concepção, a África subsaariana é considerada uma área desprovida de história e esta se concentra no mundo europeu e nos espaços geográficos que se comunicam com o Mar Mediterrâneo. No continente africano apenas a África Setentrional e o Egito se enquadravam neste grupo – a chamada África Branca. O que certamente este filósofo desconhecia e muitos ainda desconhecem é a riqueza da história do continente africano, traduzida na imponência dos seus impérios pré-coloniais — como o reino de Gana, que atingiu o seu apogeu no século VIII e era conhecido como Terra do ouro —, na variedade lingüística — só na África bantu são faladas mais de 300 línguas — e na variedade cultural do seu povo.
Desse modo, a concepção de África foi marcada por estereótipos que remontam ao tráfico negreiro. A partir do momento em que foram utilizadas expressões como branco e negro para re-significar colonizadores e colonizados; livres e escravos, respectivamente, os africanos e seus descendentes ficaram marcados com a herança ilusória e imaginária da inferioridade que permeia todo pensamento racista ainda existente na sociedade.
Não é à toa que até hoje os vocábulos negro / preto carregam conotações negativas que foram internalizadas, sendo inseridas na linguagem e no cotidiano e assimiladas de forma que, sutilmente, naturalizam o discurso de inferioridade do negro, como “preto de alma branca”; “denegrir”; “é preto, mas é bonito”; “a coisa tá preta”; etc. A verdade é que este discurso de inferiorização do negro e da sua cultura foi intensificado no século XIX com as teorias raciais que atestavam a superioridade ariana em detrimento dos demais grupos étnicos.
O segundo desafio é tratar da luta dos negros no Brasil e da sua cultura. O desafio aqui está em abordar o tema da resistência negra e da cultura afro-brasileira como algo que vai além da ilustração do negro como parte do folclore brasileiro. É preciso romper com a tendência que vê a cultura negra como algo exótico. O que se quer com esta lei é entendê-la em seu caráter transformador. Primeiro, é preciso compreender que onde houve escravidão; houve resistência e mais: nem só de fugas e formação de quilombos se configurou a luta dos escravos contra a escravidão. Outras formas de resistência precisam ser apresentadas aos nossos alunos, como a religião, a formação de juntas de alforria entre os escravos urbanos, as revoltas, a capoeira e até mesmo a criminalidade, que naquele momento, é considerado o primeiro ato humano do escravo, que apesar de ser considerado “coisa”, era julgado como “gente” ao cometer um ato criminoso. Assim, matar um senhor era uma forma de negar a coisificação a que estava submetido. (Cf. CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo, Cia das Letras, 1990.)
Os alunos, em especial o aluno negro, precisa reconhecer que não era natural ser escravo, assim como é preciso que a escola reconheça a naturalidade em trabalhar a história do negro, assim como se trabalha a história do europeu. A própria concepção de história e de ensino de história que adotamos é uma concepção européia, que privilegia um conhecimento em detrimento do outro.
Estudamos em todo período escolar a história antiga, medieval, moderna e contemporânea do europeu; do colonizador. E neste mesmo período desconhecemos a historia dos outros povos que influenciaram a nossa cultura e a formação da nossa sociedade. É assim com os negros e com os índios. A própria denominação de “negros” e “índios” ilustra esta questão, uma vez que se trata de denominações que homogeneízam um povo que é heterogêneo. Veja: falamos em italianos, ingleses, franceses... e africanos (como se todos fossem um só). O que eu quero dizer, é que é preciso adequar a história do negro ao currículo de forma natural, bem como demonstrar que a atuação do negro na história da sociedade brasileira não se resume ao período escravista. É preciso mostrar que o negro é sujeito da sua história. Que não foi a Lei Áurea que libertou os escravos — a Lei apenas legitimou uma situação que já estava estabelecida. Quando a princesa assina a Lei apenas 5% da população ainda era escrava, o que significa que 95% dos escravizados já tinham conquistado a liberdade muito antes da promulgação da Lei. Os alunos precisam conhecer os movimentos sociais liderados por africanos e seus descendentes. Precisam entender a diferença entre a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana e se questionarem: por que Tiradentes é herói nacional e eu nunca ouvi falar em Lucas Dantas? Quem foi Pacífico Licutã? Existiram outros heróis negros?
Este é mais um ponto... é certo que a concepção de história pautada na exaltação de heróis e seus feitos há muito é combatida, entretanto, penso que neste sentido, é importante apresentar aos alunos personagens negros da história, afim de demonstrar que o negro também fez a história acontecer e não ficou apenas sendo mandado, na posição de subserviência que muitos ainda querem nos colocar.
Nicholas Davies, em artigo intitulado “As camadas populares nos livros didáticos de História do Brasil”, publicado na obra O Ensino de História e a Criação do Fato (DAVIES. In: PINSK, 2004), destaca que o enfoque dado à participação popular na história, principalmente tratando-se de movimentos de resistência, oportuniza às camadas populares o sentimento de valorização enquanto sujeitos históricos e, conseqüentemente, a sensação de valor social no presente, fortalecendo-os para lutas futuras. Além disso, Davies aponta que a importância desta abordagem reside na preocupação e comprometimento em relatar os acontecimentos em sua inteireza, “não apenas em sua parcialidade (o pólo dominante), ainda que, essa parcialidade tenha imprimido o sentido maior a essa totalidade.” (PINSK, 2004)
Conhecer estes personagens e conviver com eles, certamente elucidará no aluno, especificamente o aluno afro-descendente, os caminhos a uma auto-visualização na história, externa aos estereótipos difundidos pelos grupos dominantes, que legitimaram a inferiorização dos negros e oscilavam entre as imagens de passividade, obediência ou até mesmo irracionalidade. Trata-se, então, de estabelecer um compromisso de transformação social e vislumbrar uma atuação desses estudantes (na escola e na sociedade em geral), pautada no domínio e percepção do seu potencial de criticidade, com o discernimento necessário à negação de uma postura idealista ou auto-depreciativa em seu campo de representações, viabilizando, dessa forma, a construção de sujeitos autônomos, conscientes do processo de busca pelo conhecimento, tendo em vista seu caráter contínuo e permanente.
A problemática do assumir-se permeia, também, questões relativas à propagação de uma educação voltada ao tratamento da diversidade e pluralidade cultural no ambiente escolar, ou seja, ao respeito às diferenças como mecanismo de combate à discriminação ou qualquer forma de preconceito em sala-de-aula.
Adotando aqui os conceitos formulados por Maria Aparecida da Silva em Formação de educadores/as para o combate ao racismo: mais uma tarefa essencial , entende-se por preconceito “uma atitude negativa com relação a um grupo ou pessoa, baseando-se num processo de comparação social em que o grupo da pessoa preconceituosa é considerado um ponto positivo de referência” e discriminação, sua ”manifestação comportamental, ou seja, a materialização da crença racista em atitudes que efetivamente limitam ou impedem o desenvolvimento humano pleno das pessoas pertencentes ao grupo discriminado”, priorizando-se, desse modo, uma prática pedagógica que preze pela superação do racismo em busca da criação, na escola, bem como fora dela, de um ambiente que proporcione a inclusão dos alunos afro-descendentes, contribuindo para a elevação da auto-estima e auto-conhecimento como sujeito/agente de uma história que vive e produz, concomitantemente.
Discussões e debates como este podem parecer desnecessários numa sociedade que alarma aos quatro cantos que não é racista e que vive uma verdadeira democracia racial, entretanto, uma série de sinais mostram como a mentalidade racista ainda persiste e como a escola, juntamente com a família têm um papel fundamental no processo de eliminação desta herança cultural racista. Apesar de ser negado, o preconceito persiste. Florestan Fernandes afirmava que o brasileiro tem preconceito de não ter preconceito, ou seja, não o admite e este se revela sutilmente, se mostrando não oficial – por ser negado e não denunciado –, particular, porque em geral as manifestações discriminatórias acontecem, em ambientes restritos, como elevadores, restaurantes, no trabalho, etc; silencioso, porque quem é racista não anda com uma bandeira indicando seu racismo e o nega e, por fim, externo, por sempre ser creditado ao “outro”. É aquela questão: não sou racista, mas conheço fulano que é...
É importante compreender a resistência negra como um processo contínuo e, se o negro escravizado resistia contra a violência da coisificação, hoje o negro resiste contra o preconceito. Além disso, sua atuação histórica não se limita ao processo escravista. Ele atua ativamente em diversos momentos da história do país.
A escola tem suma importância no processo de construção da auto-estima do estudante negro ou desconstrução desta, bem como a família. Muitos colegas têm se perguntado: como trabalhar com esta temática? Antes de tudo, é preciso refletir: qual o meu papel como educador? Eu acredito nesta proposta? Em primeiro lugar, é preciso permitir que o aluno negro se veja na escola. A decoração da escola, por exemplo. É comum vermos painéis nas escolas painéis com ilustrações de crianças brincando, conversando, dando boas-vindas... há representações de crianças negras nestes painéis? E nas tarefinhas dos alunos da educação infantil? Quando um aluno negro se representa em desenho a si e à sua família, como ele se pinta? Como ele se vê? Nas salinhas da educação infantil, em meio aos brinquedos das crianças, têm bonecas negras? Um segundo ponto é criar estratégias e oportunidades. Não é preciso avisar ao aluno que tratará do tema, como se precisasse pedir autorização. Vamos naturalizar a proposta com a utilização de textos, como contos, crônicas, poesias, exibição de filmes, leitura de obras literárias, pesquisas... Às vezes um material simples pode suscitar discussões fecundas. Só assim poderemos por em prática o ideal de uma educação anti-escravista e libertadora.
Mãos à obra!
Axé!
Após sete anos que a Lei 10639/03 foi promulgada, se apresenta como um grande desafio aos educadores, seja pelo desconhecimento de materiais pedagógicos que fundamentem a exposição, seja pela incompreensão da necessidade de sua aplicação. O que pretendo nesta breve análise não é trazer soluções para as inquietações a respeito do tema, até porque esta é uma temática que suscita polêmicas e certamente não vai ser esgotada nestas linhas. Minha intenção é socializar experiências que deram certo, expor alguns problemas e incitar questionamentos.
O primeiro desafio com o qual nos deparamos diz respeito à história da África e dos africanos. Por muito tempo, o que conhecemos sobre a história do continente africano esteve restrito ao período que se inicia com a instituição do escravismo no Brasil. Assim, o continente africano é conhecido como origem de escravos e os termos África e africano ficaram estritamente relacionados à escravidão, numa representação que foi instituída a partir dos valores e concepções de mundo ocidentais. Dessa forma, em escritos produzidos sobre a África, encontramos equívocos, preconceitos e uma carga enorme de estereótipos, chegando ao ponto de este ser considerado um continente sem história.
O filósofo alemão Hegel acreditava na incapacidade de o africano para construir a sua própria história. Nesta concepção, a África subsaariana é considerada uma área desprovida de história e esta se concentra no mundo europeu e nos espaços geográficos que se comunicam com o Mar Mediterrâneo. No continente africano apenas a África Setentrional e o Egito se enquadravam neste grupo – a chamada África Branca. O que certamente este filósofo desconhecia e muitos ainda desconhecem é a riqueza da história do continente africano, traduzida na imponência dos seus impérios pré-coloniais — como o reino de Gana, que atingiu o seu apogeu no século VIII e era conhecido como Terra do ouro —, na variedade lingüística — só na África bantu são faladas mais de 300 línguas — e na variedade cultural do seu povo.
Desse modo, a concepção de África foi marcada por estereótipos que remontam ao tráfico negreiro. A partir do momento em que foram utilizadas expressões como branco e negro para re-significar colonizadores e colonizados; livres e escravos, respectivamente, os africanos e seus descendentes ficaram marcados com a herança ilusória e imaginária da inferioridade que permeia todo pensamento racista ainda existente na sociedade.
Não é à toa que até hoje os vocábulos negro / preto carregam conotações negativas que foram internalizadas, sendo inseridas na linguagem e no cotidiano e assimiladas de forma que, sutilmente, naturalizam o discurso de inferioridade do negro, como “preto de alma branca”; “denegrir”; “é preto, mas é bonito”; “a coisa tá preta”; etc. A verdade é que este discurso de inferiorização do negro e da sua cultura foi intensificado no século XIX com as teorias raciais que atestavam a superioridade ariana em detrimento dos demais grupos étnicos.
O segundo desafio é tratar da luta dos negros no Brasil e da sua cultura. O desafio aqui está em abordar o tema da resistência negra e da cultura afro-brasileira como algo que vai além da ilustração do negro como parte do folclore brasileiro. É preciso romper com a tendência que vê a cultura negra como algo exótico. O que se quer com esta lei é entendê-la em seu caráter transformador. Primeiro, é preciso compreender que onde houve escravidão; houve resistência e mais: nem só de fugas e formação de quilombos se configurou a luta dos escravos contra a escravidão. Outras formas de resistência precisam ser apresentadas aos nossos alunos, como a religião, a formação de juntas de alforria entre os escravos urbanos, as revoltas, a capoeira e até mesmo a criminalidade, que naquele momento, é considerado o primeiro ato humano do escravo, que apesar de ser considerado “coisa”, era julgado como “gente” ao cometer um ato criminoso. Assim, matar um senhor era uma forma de negar a coisificação a que estava submetido. (Cf. CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo, Cia das Letras, 1990.)
Os alunos, em especial o aluno negro, precisa reconhecer que não era natural ser escravo, assim como é preciso que a escola reconheça a naturalidade em trabalhar a história do negro, assim como se trabalha a história do europeu. A própria concepção de história e de ensino de história que adotamos é uma concepção européia, que privilegia um conhecimento em detrimento do outro.
Estudamos em todo período escolar a história antiga, medieval, moderna e contemporânea do europeu; do colonizador. E neste mesmo período desconhecemos a historia dos outros povos que influenciaram a nossa cultura e a formação da nossa sociedade. É assim com os negros e com os índios. A própria denominação de “negros” e “índios” ilustra esta questão, uma vez que se trata de denominações que homogeneízam um povo que é heterogêneo. Veja: falamos em italianos, ingleses, franceses... e africanos (como se todos fossem um só). O que eu quero dizer, é que é preciso adequar a história do negro ao currículo de forma natural, bem como demonstrar que a atuação do negro na história da sociedade brasileira não se resume ao período escravista. É preciso mostrar que o negro é sujeito da sua história. Que não foi a Lei Áurea que libertou os escravos — a Lei apenas legitimou uma situação que já estava estabelecida. Quando a princesa assina a Lei apenas 5% da população ainda era escrava, o que significa que 95% dos escravizados já tinham conquistado a liberdade muito antes da promulgação da Lei. Os alunos precisam conhecer os movimentos sociais liderados por africanos e seus descendentes. Precisam entender a diferença entre a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana e se questionarem: por que Tiradentes é herói nacional e eu nunca ouvi falar em Lucas Dantas? Quem foi Pacífico Licutã? Existiram outros heróis negros?
Este é mais um ponto... é certo que a concepção de história pautada na exaltação de heróis e seus feitos há muito é combatida, entretanto, penso que neste sentido, é importante apresentar aos alunos personagens negros da história, afim de demonstrar que o negro também fez a história acontecer e não ficou apenas sendo mandado, na posição de subserviência que muitos ainda querem nos colocar.
Nicholas Davies, em artigo intitulado “As camadas populares nos livros didáticos de História do Brasil”, publicado na obra O Ensino de História e a Criação do Fato (DAVIES. In: PINSK, 2004), destaca que o enfoque dado à participação popular na história, principalmente tratando-se de movimentos de resistência, oportuniza às camadas populares o sentimento de valorização enquanto sujeitos históricos e, conseqüentemente, a sensação de valor social no presente, fortalecendo-os para lutas futuras. Além disso, Davies aponta que a importância desta abordagem reside na preocupação e comprometimento em relatar os acontecimentos em sua inteireza, “não apenas em sua parcialidade (o pólo dominante), ainda que, essa parcialidade tenha imprimido o sentido maior a essa totalidade.” (PINSK, 2004)
Conhecer estes personagens e conviver com eles, certamente elucidará no aluno, especificamente o aluno afro-descendente, os caminhos a uma auto-visualização na história, externa aos estereótipos difundidos pelos grupos dominantes, que legitimaram a inferiorização dos negros e oscilavam entre as imagens de passividade, obediência ou até mesmo irracionalidade. Trata-se, então, de estabelecer um compromisso de transformação social e vislumbrar uma atuação desses estudantes (na escola e na sociedade em geral), pautada no domínio e percepção do seu potencial de criticidade, com o discernimento necessário à negação de uma postura idealista ou auto-depreciativa em seu campo de representações, viabilizando, dessa forma, a construção de sujeitos autônomos, conscientes do processo de busca pelo conhecimento, tendo em vista seu caráter contínuo e permanente.
A problemática do assumir-se permeia, também, questões relativas à propagação de uma educação voltada ao tratamento da diversidade e pluralidade cultural no ambiente escolar, ou seja, ao respeito às diferenças como mecanismo de combate à discriminação ou qualquer forma de preconceito em sala-de-aula.
Adotando aqui os conceitos formulados por Maria Aparecida da Silva em Formação de educadores/as para o combate ao racismo: mais uma tarefa essencial , entende-se por preconceito “uma atitude negativa com relação a um grupo ou pessoa, baseando-se num processo de comparação social em que o grupo da pessoa preconceituosa é considerado um ponto positivo de referência” e discriminação, sua ”manifestação comportamental, ou seja, a materialização da crença racista em atitudes que efetivamente limitam ou impedem o desenvolvimento humano pleno das pessoas pertencentes ao grupo discriminado”, priorizando-se, desse modo, uma prática pedagógica que preze pela superação do racismo em busca da criação, na escola, bem como fora dela, de um ambiente que proporcione a inclusão dos alunos afro-descendentes, contribuindo para a elevação da auto-estima e auto-conhecimento como sujeito/agente de uma história que vive e produz, concomitantemente.
Discussões e debates como este podem parecer desnecessários numa sociedade que alarma aos quatro cantos que não é racista e que vive uma verdadeira democracia racial, entretanto, uma série de sinais mostram como a mentalidade racista ainda persiste e como a escola, juntamente com a família têm um papel fundamental no processo de eliminação desta herança cultural racista. Apesar de ser negado, o preconceito persiste. Florestan Fernandes afirmava que o brasileiro tem preconceito de não ter preconceito, ou seja, não o admite e este se revela sutilmente, se mostrando não oficial – por ser negado e não denunciado –, particular, porque em geral as manifestações discriminatórias acontecem, em ambientes restritos, como elevadores, restaurantes, no trabalho, etc; silencioso, porque quem é racista não anda com uma bandeira indicando seu racismo e o nega e, por fim, externo, por sempre ser creditado ao “outro”. É aquela questão: não sou racista, mas conheço fulano que é...
É importante compreender a resistência negra como um processo contínuo e, se o negro escravizado resistia contra a violência da coisificação, hoje o negro resiste contra o preconceito. Além disso, sua atuação histórica não se limita ao processo escravista. Ele atua ativamente em diversos momentos da história do país.
A escola tem suma importância no processo de construção da auto-estima do estudante negro ou desconstrução desta, bem como a família. Muitos colegas têm se perguntado: como trabalhar com esta temática? Antes de tudo, é preciso refletir: qual o meu papel como educador? Eu acredito nesta proposta? Em primeiro lugar, é preciso permitir que o aluno negro se veja na escola. A decoração da escola, por exemplo. É comum vermos painéis nas escolas painéis com ilustrações de crianças brincando, conversando, dando boas-vindas... há representações de crianças negras nestes painéis? E nas tarefinhas dos alunos da educação infantil? Quando um aluno negro se representa em desenho a si e à sua família, como ele se pinta? Como ele se vê? Nas salinhas da educação infantil, em meio aos brinquedos das crianças, têm bonecas negras? Um segundo ponto é criar estratégias e oportunidades. Não é preciso avisar ao aluno que tratará do tema, como se precisasse pedir autorização. Vamos naturalizar a proposta com a utilização de textos, como contos, crônicas, poesias, exibição de filmes, leitura de obras literárias, pesquisas... Às vezes um material simples pode suscitar discussões fecundas. Só assim poderemos por em prática o ideal de uma educação anti-escravista e libertadora.
Mãos à obra!
Axé!
domingo, 2 de maio de 2010
A pesquisa em arquivos, sempre tão presente no ofício do historiador hoje me presenteou com uma boa lembrança. Em meio a reflexões acerca dos caminhos da prática docente e questionamentos acerca do valor que a educação tem para nossos alunos, me deparei com um documento que me reportou à respostas escondidas num passado recente. Em 2006, realizei um projeto que denominei História em Versos com alunos de uma turma de 7 série do Colégio Destaque, em Salvador. Tratava-se de uma turma de cerca de 28 alunos adolescentes, entre 13 e 14 anos. Organizamos um Sarau onde o tema central foi a reflexão acerca do processo de abolição da escravatura no Brasil. O tema do Sarau foi Repensando o 13 de Maio. Os garotos recitaram poesias de Castro Alves, Luiz Gama e Agostinho Neto (em homenagem ao povo angolano). Além disso, recitaram pomas próprios, criados em sala de aula ao sabor das discussões e debates realizados durante as aulas. Na verdade, o Sarau foi só a finalização de um belo aprendizado para eles... e um aprendizado maior ainda para mim. Hoje, vasculhando alguns arquivos, reencontrei um dos poemas e compartilho da felicidade de tê-lo reencontrado.
TEMPO ESCRAVISTA
SENHORES MALDOSOS
SENHORES SEM PENA
POR QUE FIZERAM ISTO?
MALDITOS, MALDITOS!
POR NÃO SEREM DA SUA COR?
POR “NÃO TEREM” O SEU “VALOR”?
O QUE É ISTO?
HOMENS SE SUICIDANDO...
HOMENS SE PERGUNTANDO:
POR QUE TANTA TRISTEZA?
POR QUE TANTA MALVADEZA?
MAS ERA ASSIM A NOSSA REALIDADE
TRISTE E CRUEL
SÓ TÍNHAMOS A PERCEBER
OS GRANDES CHOROS
E OS RANGERES DOS DENTES.
Vanessa Santos, 13 anos. (Ex-aluna. Turma da 7 série do Colégio Destaque / 2006)
TEMPO ESCRAVISTA
SENHORES MALDOSOS
SENHORES SEM PENA
POR QUE FIZERAM ISTO?
MALDITOS, MALDITOS!
POR NÃO SEREM DA SUA COR?
POR “NÃO TEREM” O SEU “VALOR”?
O QUE É ISTO?
HOMENS SE SUICIDANDO...
HOMENS SE PERGUNTANDO:
POR QUE TANTA TRISTEZA?
POR QUE TANTA MALVADEZA?
MAS ERA ASSIM A NOSSA REALIDADE
TRISTE E CRUEL
SÓ TÍNHAMOS A PERCEBER
OS GRANDES CHOROS
E OS RANGERES DOS DENTES.
Vanessa Santos, 13 anos. (Ex-aluna. Turma da 7 série do Colégio Destaque / 2006)
quinta-feira, 15 de abril de 2010
SINAL FECHADO
Os meninos da sinaleira se tornaram homens...
Do olhar da criança perdida, desamparada,
Surge o homem que já não tem sonhos na madrugada.
Com vendas nos olhos e siglas nos jornais,
O “guri” do Chico cresceu,
Sua infância não volta mais...
Os meninos da sinaleira se tornaram homens...
Indiferentes à escola ou família,
desprovidos de fraternidade...
Descansam e dormem “em paz”
No leito da marginalidade.
Nossos meninos de outrora se tornaram homens...
Mas não os vimos crescer!
Não ouvimos seu lamento,
nem percebemos seu choro.
Na rua transformada em lar,
sua face agressiva apavora...
Eis a resposta ao nosso silêncio
Eis o socorro que nos pedem agora.
(Aline Najara Gonçalves)
quarta-feira, 14 de abril de 2010
LEITURA E LITERATURA NO ENSINO DA HISTÓRIA: Uma relação possível
A ascensão da burguesia no século XVIII viabilizou a oportunidade de disseminação do saber através da leitura e da escola. Naquele momento a Literatura foi introduzida no ambiente escolar como um elemento a mais fundamental ao processo de formação do indivíduo que, conseqüentemente, passou a ser concebido como indivíduo-leitor, desde que houvesse preocupação e cuidado em não descaracterizar a Literatura a ponto de o aluno criar resistência e aversão ao ato de ler.
Neste sentido, o trabalho do educador é fundamental quando se trata da formação de leitores no espaço oficial – a escola –, visto que cabe ao educador apresentar, orientar e dinamizar a prática da leitura, oportunizando ao educando – leitor principiante – o desenvolvimento do hábito de ler como uma opção a mais de lazer e entretenimento.
Em Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire deixa claro que a docência é uma atividade que exige rigorosidade metódica, dedicação, respeito, criticidade, dentre outros saberes necessários à prática educativa. Por meio desta obra, Freire propõe uma “reflexão acerca da prática educativo-progressista em favor da autonomia do ser dos educandos” (FREIRE, 1996, p. 13). A busca por uma pedagogia que possibilite a formação de sujeitos autônomos e conscientes do seu papel social tem sido constante para muitos educadores, destacando aqui os professores de História, refletindo-se numa inquietação que os leva a questionar velhas práticas metodológicas do ensino da disciplina. Neste contexto, a fusão entre leitura, Literatura e o ensino da História é, antes de qualquer coisa, uma possibilidade de repensar a metodologia aplicada em sala-de-aula a caminho da valorização da leitura e da produção do conhecimento, a fim de romper definitivamente com o modelo tradicional de educação bancária, de mão única, que aliena o educando e o impede de desenvolver o seu potencial de criticidade.
Rafael Ruiz, em Novas formas de abordar o ensino da História (RUIZ, 2004, p. 75-91), apresenta três modelos possíveis a serem seguidos, no campo História, por professores e historiadores: o primeiro concebe a História como uma grande mestra que educa com exemplos; o segundo aponta a História como um processo contínuo e por fim, o terceiro modelo que prioriza o presente em detrimento dos acontecimentos passados. Embora estes três modelos dialoguem com o processo de renovação na historiografia — que já compreende que os fatos não falam por si — não conseguem mais dar conta da dinâmica da História em sala de aula.
O ensino da História tem passado por transformações que vão desde o modo como o aluno a encara enquanto disciplina ao método utilizado por profissionais da área de educação que, em alguns casos, buscando acompanhar as mudanças tecnológicas da contemporaneidade acabam negligenciando o processo de ensino e aprendizagem em prol da velocidade na transmissão de informações, num espetáculo recheado de técnicas e aparelhos de última geração e, por vezes, pouco conhecimento.
Jaime Pinsky e Carla Pinsky, em História na sala de aula, afirmam:
(...) Na sala de aula, o pensamento analítico é substituído por “achismos”, alunos trocam a investigação bibliográfica por informações superficiais dos sites “de pesquisa” pasteurizados, vídeos são usados para substituir (e não complementar) livros. (PINSK, 2004, p. 17-36)
Em artigo intitulado Por uma História prazerosa e conseqüente, estes autores destacam ainda o desinteresse pelo conteúdo, pela erudição e pela leitura, que foram afetados pelo simplismo tão presente no ambiente escolar e que tem demonstrado a necessidade de reelaborar metodologicamente o ensino da História, agregando ao conteúdo a responsabilidade social e o prazer em lecionar e aprender.
É notória a importância da História na formação social do indivíduo, bem como é importante compreender o potencial transformador do livro e, conseqüentemente, da leitura. Pierre Bourdieu, em diálogo com Roger Chartier convence o leitor de que “por meio de um livro se pode transformar a visão do mundo social e, através da visão de mundo, transformar também o próprio mundo social” (CHARTIER, 2001, p.243). Em outras palavras, a leitura permite a reelaboração de conceitos e posturas acerca da realidade em que se vive, dado o seu caráter plural, uma vez que a leitura de um único texto permite múltiplas interpretações decorrentes do grau de recepção leitor em relação ao livro e do poder sobre o poder que o livro exerce no leitor.
Neste sentido, o primeiro passo no caminho da introdução da leitura e da Literatura no universo do ensino da História é, à luz das idéias de Jonathan Culler em Leitores e Leituras, compreender e questionar o sentido de determinada obra e, a partir daí estabelecer uma relação entre ficção e História que permita encontrar na primeira um caminho para uma compreensão prazerosa da segunda.
História, Leitura e Literatura são áreas que dialogam e se complementam. O estudo da História permite o entendimento da dinâmica das transformações humanas; o conhecimento além dos fatos, do contexto no qual se inserem. Ao conceber a História como uma ciência que pretende estabelecer uma relação entre o passado e presente, é perceptível que o contexto dos acontecimentos deve ser potencializado em detrimento dos fatos e/ou sujeitos isolados. A fusão entre História, Leitura e Literatura permite a apropriação e até mesmo a recriação de emoções e experiências vividas. Desse modo, desde que seja encarada como uma representação da realidade que retrata, a Literatura torna-se uma fonte histórica de grande valor.
Estreitar a ligação entre História, leitura e Literatura como recurso pedagógico torna o ofício do educador mais prazeroso, visto que a Leitura permite ao educando trazer os textos para a sua realidade, inserindo elementos deste em suas experiências cotidianas e a Literatura, por sua vez, dada a sua preparação para o público, seduz e agrega mais que a explanação pura e simples de conceitos e fatos históricos.
Bibliografia:
BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto. 9 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.
BARRETO, Lima. Os Bruzundangas. 3ª edição. 9ª impressão. São Paulo: Ática, 2005.
______________. Um sonho do futuro: diários, cartas, entrevistas e confissões dispersas. Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 1993. (Série Revisões;5).
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas – O Imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
CARDOSO, Fernando Henrique (et al). O Brasil Republicano – Estrutura de poder e Economia (1889-1930). Vol. 1. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
CHARTIER, Roger & BOURDIEU, Pierre. A Leitura: uma prática cultural. Debate entre Pierre Bourdieu e Roger Chartier. In: CHARTIER, Roger (org.) Práticas de Leitura. Tradução de Cristiane Nascimento. 2 ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.
segunda-feira, 12 de abril de 2010
A “NOSSA” REPÚBLICA DOS BRUZUNDANGAS: Ficção e História na obra de Lima Barreto *
Lima Barreto foi um escritor comumente enquadrado no período pré-modernista devido ao caráter realista da sua escrita. Marcado pela presença constante da crítica e da ironia, Lima Barreto realiza, ao longo de várias das suas obras, uma denúncia ferrenha das mazelas da sociedade brasileira pós-republicana. Na verdade, a obra deste autor, é um reflexo da sua vida de provações e dificuldades, que se iniciam com a morte da mãe – ainda na infância – e se aprofundam com a demissão e loucura do pai, após a proclamação da República no Brasil.
Na visão de Nicolau Sevcenko, em Literatura como Missão, trata-se de um escritor mal compreendido e marginalizado tanto política como intelectualmente, apesar do êxito das suas obras; um intelectual consciente que entendia que algo deveria ser feito a serviço do povo brasileiro que vivia na miséria e na ignorância. É desse modo, um mestre da Literatura Militante.
Falar de Lima Barreto é traçar o perfil de um homem que lutou contra o preconceito racial e tentou – aos moldes da educação recebida do pai – tornar-se “doutor” para sentir-se aceito e reconhecido numa sociedade agraciada por títulos de riqueza e prestígio; é trazer a tona a voz do mulato do subúrbio que assistiu com entusiasmo a manifestação campal que seguiu à assinatura da Lei Áurea – que em sua mente infantil legitimaria a liberdade de todos – e com desgosto a proclamação de uma República pelos militares, principalmente em decorrência da superficialidade do 15 de Novembro e das transformações ocorridas na vida da família em decorrência das modificações na política vigente.
É este o sentimento que aparece na obra “Os Bruzundangas”. A estrutura da sociedade brasileira que se organizou no período pós-republicano se fundamentou, principalmente, nos arranjos e conchavos políticos entre grandes oligarquias, o que se convencionou denominar República dos Coronéis – título decorrente da criação da Guarda Nacional, ainda no Império. Uma ligação que levou Alfredo Bosi a afirmar que “nessa república que se desejava nova, quase tudo vinha como herança de cinqüenta anos de um Império bastante estável” (BOSI, 1997). Esta semelhança não se resumia à utilização de um título militar que denotava prestígio e poder, como também aos valores morais de uma sociedade que se pretendia original e democrática, mas se caracterizava como um regime de desequilíbrio de raça e classe. Por conta disse, Bosi exclama: “Ai dos desapadrinhados nesse imenso cabide de empregos que é a cidade do rio de janeiro de 1905!”. (BOSI, 1997)
A insatisfação pessoal de Lima Barreto se reflete em sua escrita. O foco é o espaço brasileiro carioca de fins do século XIX, aqui apresentado sob a bandeira de um país fictício e visitado pelo autor em uma das suas viagens: A República dos Estados Unidos da Bruzundanga. A República das Bruzundangas é um país tropical, governado por um Mandachuva. País este que foi colonizado pelos iberos e povoado por eles e por outros povos. Ao longo da sua história, foi colônia, império e tornou-se república a partir da ação de militares insatisfeitos e ex-senhores de escravos descontentes com a abolição. Bruzundanga é um substantivo feminino que pode significar “palavreado confuso, mistura de coisas imprestáveis, mixórdia, trapalhada, embrulhada” , o que deixa claro que, já na escolha do título o autor satiriza a sociedade que pretende denunciar ao longo da obra.
Concebendo a arte como uma força de libertação e ligação entre os homens, verifica-se nesta obra de Lima Barreto o anseio de revelar um retrato do presente por meio de uma visão crítica e combatente. Através de personagens que retratam o cotidiano, sua crítica se direciona, principalmente aos movimentos históricos, relações sociais e raciais (esta última de forma sutil quando se refere aos javaneses da Bruzundanga) e ideais políticos, econômicos e culturais da sociedade.
Partindo desse princípio, ataca o monopólio do poder político pelas oligarquias estaduais, especialmente a mineira e a paulista; a exploração do trabalhador rural; o processo de urbanização do Rio de Janeiro, então capital da República, a falta de compromisso político da literatura oficial, a valorização dos padrões estéticos e culturais europeus, o incentivo à imigração em detrimento da valorização do trabalhador local, o clientelismo político, a manipulação de votos, as fraudes eleitorais e o nepotismo, a economia monocultora e a política de valorização do café, a “construção” de heróis e os privilégios sociais àqueles considerados nobres.
Ao longo dos vinte e dois capítulos da obra e um complemento intitulado Outras Histórias dos Bruzundangas, Lima Barreto rompe com a literatura descomprometida. Segundo Lima, “quanto mais incompreensível é ela, mais admirado é o escritor que a escreve por todos que não lhe entenderam o escrito”. Criticando esta tendência, afirma: “A glória das letras só as tem quem a elas se dedica inteiramente; nelas, como no amor, só é amado quem se esquece de si inteiramente e se entrega com fé cega”. Seguindo este pressuposto, apropria-se da ironia e da caricatura para retratar uma realidade que, segundo ele, precisa ser exagerada para revelar os defeitos e as deformações que despertem desprezo geral. Desse modo, sua obra assume a feição de um romance histórico, na medida em que utilizando a literatura com enfoque jornalístico, como uma arma de combate sócio-político, o discurso de Lima Barreto se apropria da História e esta, se envolve em sua narrativa.
* Artigo produzido por Aline Najara da Silva Gonçalves. Professora de História e mestradna em Estudo de Linguagens (UNEB - Universidade do Estado da Bahia)
Referências Bibliográficas:
BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto. 9 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.
BARRETO, Lima. Os Bruzundangas. 3ª edição. 9ª impressão. São Paulo: Ática, 2005.
______________. Um sonho do futuro: diários, cartas, entrevistas e confissões dispersas. Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 1993. (Série Revisões;5).
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas – O Imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
CARDOSO, Fernando Henrique (et al). O Brasil Republicano – Estrutura de poder e Economia (1889-1930). Vol. 1. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
GOMES, Flávio. Negros e Política (1888-1937). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. (Descobrindo o Brasil)
PINHEIRO, Paulo Sérgio (et. al) O Brasil Republicano – Sociedade e Instituições (1889-1930). Vol.2. 5 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1997.
SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão: Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira República. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
NA RODA DA LEITURA: A PRESENÇA DO LIVRO NA RODA DE CAPOEIRA*
“Eu nasci pra ser vencedor e é por isso que eu sou capoeira; sou Mangangá”. Escutei estes versos enquanto subia as escadas de acesso à academia. Ao final, no topo, deparei-me com a roda já formada, onde meninos e meninas de idades diversas jogavam capoeira num misto de dança e luta. Bailavam ao som do atabaque, pandeiro e berimbau, embalados por palmas e cantigas que expressam a síntese da capoeira: “Eu nasci pra ser vencedor e é por isso que eu sou capoeira; sou Mangangá” – repetiam em uníssono expressando sua resistência.
Terminada a roda, fui chamada pelo Contra-Mestre Gean a juntar-me ao grupo. Meu propósito era convidar aquele grupo a participar de uma outra roda; a conhecer outra forma de resistência. Convidei-os a participar de uma roda de leitura. Convite aceito.
Revistas em quadrinhos foram distribuídas às crianças, leitores iniciantes. Muitos deles freqüentam a escola, embora não dominem o universo da escrita e da leitura. O olhar curioso e atento à estorinha lida e às ilustrações traziam à minha memória palavras de Freire: “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Era com os olhos do mundo que observavam aquelas revistas; que degustavam do prazer de ler aquelas estorinhas permitindo que a leitura daquelas palavras iniciais os envolvesse. A eles, que embora não soubessem se descobriam leitores. Sentados, deitados, de cócoras, em voz alta ou silenciosamente, liam. E enquanto liam, sorrisos brotavam da face que ia expressando de múltiplas formas a descoberta daquele que era o mais novo brinquedo que possuíam. “Tia, Tia! Que livro vou ler?”, perguntou-me um garotinho de uns oito anos. Fez-se da leitura a diversão!
No extremo oposto da sala, sentei-me com os alunos maiores, a graduada Cláudia e o contra-mestre Gean. Após uma conversa descontraída sobre livros e leituras, o grupo foi convidado a um desafio: cuidar de um livro durante alguns dias, conviver com ele e conhecê-lo e, após o período estipulado, nos encontraríamos para discutir a experiência. Mais um convite aceito.
Neste novo grupo formado, algumas pessoas chamaram minha atenção. Vejamos: Cláudia é graduada na capoeira, tem 27 anos e dá aulas com o marido, o contra-mestre Gean. Os dois têm uma filha de nove anos, Vitória, que é aluna na academia. Esta jovem professora tem um olhar atento e desconfiado. É cauletosa em suas palavras, porém decidida. Tem realizado oficinas de produção de texto com os garotos e se mostra uma educadora formada pela vida. “Tenho dedicação e vontade, mas faltam-me os livros”, disse-me ao longo da nossa conversa. Cláudia demonstra seu gosto pela leitura e fala sobre a relação que mantém com o livro que está lendo atualmente, Racismos Contemporâneos, organizado pela Ashoka Empreendedores Sociais e Takano Cidadania – presente do Mestre Tonho Matéria – livro este que guarda sempre “sobre um banquinho ao lado da cama” e, segundo ela, tem ajudado a entender a sua própria realidade. O interesse de Cláudia pela leitura é revelador, assim como o desejo que tem de conhecer e compartilhar. Após a realização da atividade proposta, escreveu-me uma carta na qual dizia: “Não posso voltar mais no tempo, mas não vou desistir apesar de todas as situações adversas e vou recomeçar pelo simples hábito de ler”. Ela e o livro neste momento se complementam.
Geisa é aluna da academia, tem 19 anos. Durante o bate-papo realizado deu para perceber que é uma garota muito vaidosa e romântica, mas tem um olhar que parece triste às vezes. Afirma gostar de ler e o último livro lido foi O Guarani, de José de Alencar. Dos livros oferecidos para atividade, escolheu Crescer é perigoso, de Márcia Kupstas. Após ler uma obra que trata de conflitos vividos por um adolescente sansei, Geisa escreveu em uma carta a mim direcionada: “Eu gostaria de ser uma criança que gosta de inventar e descobrir. Não importa onde parou ou em que momento da vida você cansou, o que importa é que sempre é possível recomeçar”. Ao final, agradece: “Valeu a pena descobrir um caminho para ser feliz”.
Após a realização desta atividade que chamamos de Oficina de Leitura, voltei para casa com os versos de Casto Alves no pensamento:
“O livro caindo n'alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.”
Versos estes que me levam a repensar meu encontro com o livro e com a leitura. A importância ímpar do ato de ler na formação da minha própria identidade; o poder da ação do livro sobre mim, enquanto leitora e o poder da recepção da leitura, o significado que imponho ao que leio. Estes versos de Castro Alves, ao penetrar minha mente, me levam a repensar a significação desta descoberta para aqueles jovens; para aqueles adultos e crianças que se redescobriam pela via da leitura. Muitas leituras realizadas vêm à mente neste momento. Livros que li por prazer; livros que li por obrigação; livros que ganhei; que comprei; e muitos que ainda não conheci, mas certamente continuarão transformando a minha vida e tantas outras vidas.
Foi acreditando neste poder transformador da leitura que retornei à Associação de Capoeira Mangangá alguns dias após o fim das atividades. Cheguei com uma mochila nas costas e duas sacolas cheias de livros. Soube através do contra-mestre Gean, que a partir daquela semana, dedicariam as quartas-feiras à realização da oficina de leitura e produção de textos, o que me deixou muito satisfeita. Sentei-me à roda com o grupo inicial e apresentei os livros que tinha levado naquele dia para eles. Cláudia me perguntou curiosa:
— Quando vamos ter que devolver estes a você?
Respondi:
— Estes são seus. Agora já tem os livros.
Vi seus olhos sorrindo pra mim e o mesmo garotinho de outrora se sentou ao meu lado e perguntou:
— Tia, Tia! Que livro vou ler?
Neste momento mais uma vez Castro Alves se fez presente:
“Oh! Bendito o que semeia
Livros... Livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!”
Foi um momento muito feliz.
(* Esta atividade foi realizada em março de 2008. O texto foi publicado na segunda edição do Jornal Varal de Notícias, produzido por alunos do Mestrado em Estudos de Linguagem da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) em dezembro de 2008.)
domingo, 11 de abril de 2010
Conjunção Adversativa (Aline Najara Gonçalves)
Preta!
Beleza sem conjunção adversativa
Sem o “mas” que justifica a combinação.
Beleza negra
Pura e preta
Constante inspiração.
Preta!
Sem o “mas” que ridiculariza
O mesmo que estabelece o padrão
Que legitima a realeza do olho que é azul;
Que nega a riqueza da negra herança bantu
O “mas” que foge da história
Que desconhece a tradição.
O “mas” que não sabe o sentido do Axé;
Não entende a magia dos terreiros de candomblé...
E desconhece outra além da tua fé.
O “mas” que reprime, sufoca...
“Mas” da opressão
Conjunção que se confunde em sua incompreensão.
“Poréns”, “Mas”, “Entretantos”, “Contudos” que trazem incerteza à memória;
Palavras que negam em frases a minha; a sua trajetória...
Questionam a nossa afirmação.
Mulher,
Homem!
Negros em todos os traços
Negros na pele,
Na mente,
Presente em todo espaço
Sem a palavra que agride,
Sugere surpresa,
Inconstância,
Contradição...
Sem o “mas” que precede
À beleza,
À inteligência,
À religião.
Sem o maldito “mas”,
Sem a sutil negação.
Beleza sem conjunção adversativa
Sem o “mas” que justifica a combinação.
Beleza negra
Pura e preta
Constante inspiração.
Preta!
Sem o “mas” que ridiculariza
O mesmo que estabelece o padrão
Que legitima a realeza do olho que é azul;
Que nega a riqueza da negra herança bantu
O “mas” que foge da história
Que desconhece a tradição.
O “mas” que não sabe o sentido do Axé;
Não entende a magia dos terreiros de candomblé...
E desconhece outra além da tua fé.
O “mas” que reprime, sufoca...
“Mas” da opressão
Conjunção que se confunde em sua incompreensão.
“Poréns”, “Mas”, “Entretantos”, “Contudos” que trazem incerteza à memória;
Palavras que negam em frases a minha; a sua trajetória...
Questionam a nossa afirmação.
Mulher,
Homem!
Negros em todos os traços
Negros na pele,
Na mente,
Presente em todo espaço
Sem a palavra que agride,
Sugere surpresa,
Inconstância,
Contradição...
Sem o “mas” que precede
À beleza,
À inteligência,
À religião.
Sem o maldito “mas”,
Sem a sutil negação.
Menina Preta (Aline Najara Gonçalves)
Mulher,
Negra.
Preta como a escuridão
E na noite da pele enegrecida
Arde o fogo que queima a alma
Com a certeza da imagem denegrida,
Escurecida...
Clara!
Mulher negra da luta
Labuta da vida diária.
Sem enxada,
Sem cabresto,
Sem senhor,
Sem senzala,
Sem freio.
Rompe o arreio...
Mulher-noite das letras
De idéias,
De ideais...
Pretume!
Clarão!
Preta noite...
Mulher preta...
uma doce escuridão
Menina...
Mulher...
Pele preta
Perigosa,
Armada:
Idéias na cabeça;
Livros à mão.
Negra.
Preta como a escuridão
E na noite da pele enegrecida
Arde o fogo que queima a alma
Com a certeza da imagem denegrida,
Escurecida...
Clara!
Mulher negra da luta
Labuta da vida diária.
Sem enxada,
Sem cabresto,
Sem senhor,
Sem senzala,
Sem freio.
Rompe o arreio...
Mulher-noite das letras
De idéias,
De ideais...
Pretume!
Clarão!
Preta noite...
Mulher preta...
uma doce escuridão
Menina...
Mulher...
Pele preta
Perigosa,
Armada:
Idéias na cabeça;
Livros à mão.
Nomes (Aline Najara Gonçalves)
Rei menino
Retirado do seu canto
Entoa agora um pranto
Com dor...
Louvando uma liberdade
que já não há
Guerreiro bantu,
Escravo, peça, mercadoria...
No mercado de Valongo,
Ou em tantas outras freguesias,
A mão preta trabalha
Para que a branca possa lucrar
E o rei não perde sua majestade
Preservando sua identidade
Com maestria
Resiste ao opressor
Aos orixás, nomes novos
Santidades no Brasil e na Bahia
Sagrado católico com o
colorido da africanidade
Ah! Senhor do Bonfim...
Salve meu pai Oxalá!
A liberdade, ainda que tardia
Dos pés do capoeira brotaria
Licutã, Calafate, Mahin, Dandará
O Luís – dizia-se “das Virgens”
João, “de Deus”, do povo
Das bocas que falam, gritam...
Não devem nem podem calar
Ahuna, Salin, Lucas Dantas
Entre dores, mazelas tantas
A ousadia: a liberdade resgatar
Malês, Balaios,
Inconfidentes conjurados
Marinheiros atracados
num porto ou além mar
Uma história calada,
Enganada e esquecida
Por um sistema que prefere ocultar
Nomes de homens,
Personagens de vida sofrida
Com sangue do Congo, Guiné, Angola,
E tantos reinos desse mar de gente
Que em lutas inglórias tornou-se semente
Da liberdade que grita no peito
Da força que conduz seu caminhar.
Retirado do seu canto
Entoa agora um pranto
Com dor...
Louvando uma liberdade
que já não há
Guerreiro bantu,
Escravo, peça, mercadoria...
No mercado de Valongo,
Ou em tantas outras freguesias,
A mão preta trabalha
Para que a branca possa lucrar
E o rei não perde sua majestade
Preservando sua identidade
Com maestria
Resiste ao opressor
Aos orixás, nomes novos
Santidades no Brasil e na Bahia
Sagrado católico com o
colorido da africanidade
Ah! Senhor do Bonfim...
Salve meu pai Oxalá!
A liberdade, ainda que tardia
Dos pés do capoeira brotaria
Licutã, Calafate, Mahin, Dandará
O Luís – dizia-se “das Virgens”
João, “de Deus”, do povo
Das bocas que falam, gritam...
Não devem nem podem calar
Ahuna, Salin, Lucas Dantas
Entre dores, mazelas tantas
A ousadia: a liberdade resgatar
Malês, Balaios,
Inconfidentes conjurados
Marinheiros atracados
num porto ou além mar
Uma história calada,
Enganada e esquecida
Por um sistema que prefere ocultar
Nomes de homens,
Personagens de vida sofrida
Com sangue do Congo, Guiné, Angola,
E tantos reinos desse mar de gente
Que em lutas inglórias tornou-se semente
Da liberdade que grita no peito
Da força que conduz seu caminhar.
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